Domingo, 30 de Agosto de 2009
Ainda a propósito do programa eleitoral do PSD para a Educação, saquei esta prioridade:
“Privilegiaremos, em relação ao (in)sucesso estatístico, a definição e verificação, preferencialmente por entidades exteriores à escola, de objectivos mínimos para o respectivo ano ou ciclo de estudos, com o objectivo de estimular a aprendizagem e apontar exemplos de sucesso.”
Digo eu, que sou escutado pelo Estado, sobre assuntos relativos à Educação, como se a minha profissão fosse barbeiro, que isso dos objectivos mínimos é mais do mesmo, na patética onda dos números.
Para combater, mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, o insucesso estatístico, o que o Estado tem de fazer – e este é o único caminho racional, a meu ver – é acabar com alguns direitos! A saber:
- Acabar com o direito dos alunos a não quererem aprender!
- Acabar com o direito dos alunos a prejudicarem as aprendizagens dos colegas, bastas vezes com reflexos negativos para o resto do percurso escolar destes.
- Acabar com o direito das famílias a que os seus rebentos “andem” simplesmente na escola, sem qualquer outro dever.
Segunda-feira, 24 de Agosto de 2009
“Numerologia é o estudo das influências e qualidades místicas dos números.”
in Wikipédia
Segundo o Ministério da Educação, 7,7% dos alunos do Ensino Básico ficaram retidos no final do ano lectivo de 2008/2009. Não duvido.
Tal como no caso dos exames nacionais, vou dar asas à imaginação e projectar um valor fictício para um insucesso indesejável, tomando por base a realidade da minha escola.
Primeiro, considero que o insucesso escolar ocorre quando um aluno não adquire as competências e conhecimentos previstos no sistema de ensino para alunos sem deficiências intelectuais. Em linguagem simples, quando um aluno não quis aprender o que lhe tentaram ensinar.
Segundo, considero que “possuir o 9º ano de escolaridade” significa estar provido das competências e conhecimentos previstos no sistema de ensino para alunos sem deficiências intelectuais. Em linguagem simples, ter estudado para ter o 9º ano.
Terceiro, considero que cerca de 20% dos alunos estão em turmas de CEF ou PCA. No ano que agora vai começar, a minha escola vai ter quase 30% dos alunos nestas condições, mas isso agora não interessa.
Quarto, considero que 3% dos alunos estão em turmas de CEF ou PCA, mas, se estivessem numa turma do ensino regular, teriam algumas hipóteses de transitar, com esforço e dedicação.
Quinto, considero que as taxas de retenção divulgadas pelo Ministério da Educação incluem os alunos das turmas de CEF e PCA.
Sexto, considero que cerca de 6% dos alunos transitam de ano devido ao Efeito Milagre, o tal que ocorre a partir de 13 de Maio até ao final do ano. Exemplos são os alunos que passam de 10 para 3 negativas… ou os que passam de 8 para 8 negativas (para bom entendedor…).
Assim, qual é, de facto, a percentagem de alunos que, aparentemente, não adquiriram as competências e conhecimentos previstos no sistema de ensino para alunos sem deficiências intelectuais? Ou seja, a percentagem de alunos que, na falta de CEFs, PCAs e Milagres, ficariam retidos.
7,7% (currículos regulares, segundo os dados do ME)
+ 20% (CEF+PCA)
+ 6% (Milagres nos currículos regulares)
– 3% (CEF+PCA que poderiam transitar)
= 30,7%
Ena pá! Isto é quase o dobro… da taxa de retenção de 1996/1997! Brutal!
Alguns comentários de Maria de Lurdes Rodrigues sobre os resultados escolares de 2008/2009, segundo a agência Lusa:
"O mais importante é a redução para metade do abandono e insucesso escolar. Os dados deste ano apontam para uma redução consolidada".
"Atingimos valores muito significativos, que têm como consequência o aumento do número de alunos naqueles anos em que o insucesso e o abandono eram mais sentidos, naqueles anos de escolaridade em que se vinha a perder alunos há mais de uma década".
"Atendendo a que, no passado, a taxa de insucesso no ensino básico foi da ordem dos 14/13 por cento e que no caso do ensino secundário foi da ordem dos 35/36 por cento, o que podemos considerar é que reduzimos para metade o insucesso e o abandono em todos os níveis de ensino e em todos os ciclos de escolaridade".
(…) "um conjunto de medidas que permitiram às escolas e aos professores dispor dos meios para combater as dificuldades de aprendizagem e o insucesso escolar".
"Atribuo a medidas como os planos de recuperação, os cursos de educação e formação, generalização de currículos alternativos, o maior tempo de trabalho dos professores com os alunos, mas também a estratégias que foram desenvolvidas pelas escolas de ir buscar os alunos ao abandono".
"Tivemos nestes dois últimos anos, mais de 60 mil alunos que estavam fora da escolaridade obrigatória e que as escolas acolheram e procuraram criar condições para que concluíssem o nono ano".
Relembrando as célebres palavras do meu saudoso professor de Electrotecnia: “isto é tudo uma farsa”!
Por partes:
1. O mais importante é, de facto, e só quem é ceguinho ou labrego é que não percebe isso, a estatística! Os números! É tudo uma questão de quantidade, não se avista qualquer sinal relativo à qualidade, mas, ainda assim, insistem na farsa da “mais alunos, melhor educação”, conforme o documento de apresentação dos resultados.
2. O combate às dificuldades de aprendizagem é um mito, digo eu. Não há um diagnóstico feito, de forma séria e credível, sobre os alunos que, de facto, têm dificuldades de aprendizagem. Um aluno que não quer aprender, nem à chapada, entra no bolo dos alunos com “dificuldades de aprendizagem”, na falta de outra explicação lógica permitida pelo Ministério da Educação. Ou seja, falta saber quantos alunos com insucesso escolar têm mesmo dificuldades de aprendizagem.
3. Na minha humilde opinião, há três factores que contribuem, decididamente, para os actuais resultados estatísticos do insucesso: os CEF (sim, senhora ministra), os PCA (sim, senhora ministra) e o efeito Milagre (que ocorre, todos os anos, sensivelmente a partir do 13 de Maio, dia de Nossa Senhora de Fátima). Não mais que estes. Porque os planos de recuperação não passam de resmas de papéis inúteis e porque o tempo de trabalho dos professores com os alunos continuou o mesmo.
4. Quanto ao abandono, já se sabe. Os CEFs abriram as portas das escolas a milhares de malandros que, assim, puderam regressar às comunidades escolares e passaram largos de meses de intensa diversão. Nos últimos dois anos, as ordens superiores, descaradas, para que se ignorassem, de forma generalizada, as faltas dos alunos, incluindo os dos CEFs, lá deram o seu contributo para melhorar as estatísticas.
5. E, para ser claro, as escolas vão buscar os malandros ao abandono porque há uma lei patética que exige uma idade mínima para ingressar num CEF, sendo, pois, necessário recrutar alunos já fora do sistema para que as turmas possam abrir.
Sexta-feira, 8 de Maio de 2009
Sócrates e os seus fiéis seguidores no Ministério da Educação muito gostam de contas e de estatística. Números, portanto. Na minha humilde opinião, há outras contas e outras estatísticas que eu, pessoalmente, gostaria que viessem a público, pela sua importância óbvia na eficiência do sistema educativo nacional. Eu acho que a importância é óbvia, porque sou professor e conheço – por dentro – o que afecta o insucesso nas nossas escolas. Claro que outros podem achar que a importância é pouca ou nenhuma, ou que eu, por ser professor, não conheço o que contribui para o insucesso (os “especialistas de gabinete” é que dominariam estes assuntos). Cada um que pense por si. Vamos a contas:
1. As aulas perdidas com a aposentação
Quando os jornais e televisões eram bombardeados com estatísticas sobre as faltas dos professores, julgo que faltou apresentar os números relativos às dezenas de aulas que milhares de alunos perdem, por ano, por via da aposentação de professores a meio do ano lectivo. Enquanto não vem a aposentação – e isto tem sido a realidade em muitas situações -, há semanas seguidas sem aulas, atestados médicos desnecessários, ansiedade escusada, stress e desmotivação. E alunos prejudicados! Ou seja, um ME que tanto fingiu preocupar-se com as faltas dos professores, ainda não foi capaz de criar um mecanismo que evite estas situações. Na prática, os alunos ficam bastante mais prejudicados com estas situações, do que com alguns 102º espalhados pelo ano lectivo. Uma estatística comparativa poderia fazer descer alguma luz sobre o sistema, digo eu.
2. O tempo efectivo de aprendizagem
Se há uma coisa que é notória, é a ignorância do que se passa dentro das quatro paredes das salas de aula. Os professores que lá trabalham, sabem-no bem. Mas, derivado a esse fantástico conceito que é o “caso pontual”, as salas de aula portuguesas são todas umas eficientes fábricas de produção de “Jaguares”, segundo a visão iluminada da senhora Ministra da Educação. As contas que eu gostava de ver feitas e publicadas, dizem respeito ao tempo efectivo de aprendizagem dentro das salas de aula. Isto é, numa aula de noventa minutos, quantos minutos são dedicados efectivamente a aprendizagens (ensinar e aprender, entenda-se) e quantos são dedicados a outras actividades menos nobres e desconhecidas dos “especialistas”, nomeadamente no controlo e combate da indisciplina. Convém explicitar que a interrupção de uma aula, nem que seja para mandar um aluno calar-se ou virar-se para a frente, resulta de uma situação de indisciplina, implicando a perturbação da concentração de todos os alunos e, consequentemente, a diminuição da qualidade das aprendizagens. Por mais que os pais defendam que não é indisciplina e que os filhos são apenas muito faladores e/ou irrequietos e/ou outra desculpa qualquer. Houvesse números públicos, sérios, e quer-me parecer que teríamos um escândalo nacional. Porque, da realidade que conheço, há situações frequentes de tempos efectivos de aprendizagens inferiores a 50%, ao longo de praticamente todo o ano lectivo. Isto equivale a que, por exemplo, no final do ano lectivo, milhares de alunos tenham tido menos de 50 aulas de Matemática, em vez das 100 que o Estado diz que os alunos têm. Milhares de “casos pontuais”, claro.
3. O dinheiro oferecido sem nada em troca
Quando tivemos a Avaliação Externa na nossa escola, vi-me, pela primeira vez, confrontado com o conceito de custo por aluno. Neste caso, uns 6000 euros anuais por cada um. Ou seja, o Estado, cujo fundo de maneio vem da remuneração de todos nós, oferece 6000 euros, por aluno, às famílias que têm os filhos a estudar na nossa escola. Oferece, mas não pede nada em troca. Não pede esforço, nem dedicação, nem sucesso, nem sequer comportamentos adequados. A maior parte dos pais não paga 6000 euros de IRS ao Estado, nem nada que se pareça. Pelo que se trata, efectivamente, de uma oferta. Um exemplo. Um aluno entra para o 7º ano e o Estado paga-lhe 6000 euros para andar gratuitamente na escola. O aluno, que descobriu que os pais não se importam muito com o seu sucesso escolar ou que não mostraram autoridade suficiente para o obrigar a ter aproveitamento, chega ao fim do ano lectivo e fica retido. O Estado, generoso quanto baste, chega-se à frente com outros 6000 euros para o ano lectivo seguinte. A estória repete-se, com nova e lamentável retenção. Os pais, entretanto, já descobriram que o filho ficou retido, pela segunda vez, por vingança e/ou perseguição dos professores, claro. Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado entra com outros 6000 euros. A escola tenta dar a volta à situação, com uma transição por baixo da mesa, perante o ar de gozo e de desplante do aluno (e dos pais, já agora). Com jeito, talvez integre uma turma de PCA, ou um CEF, ou outra alternativa qualquer que, pela dimensão das turmas, sugere um custo por aluno muito superior aos dos alunos aplicados e cumpridores. Nunca o Estado encosta o aluno e os respectivos pais à parede e lhes pede contas pelo esbanjamento dos 6000 euros. Nunca! Mas era bom que se fizessem contas à vida e se contabilizasse o dinheiro que foi literalmente atirado ao lixo pelas famílias que não obrigaram os seus filhos a estudar e a ter aproveitamento. Como se isso não bastasse, quantos destes desperdícios não estiveram (e estão, e vão continuar a estar) associados directamente ao prejuízo dos alunos que querem aprender (ou cujos pais os obrigam a aprender)? Contas, precisam-se. Felizmente, este Estado descobriu o remédio para que nunca mais seja necessário fazer este tipo de contas e muito menos encontrar soluções: a milagrosa abolição das retenções. Mais um passe de mágica.
4. O insucesso garantido
Durante o primeiro ciclo do ensino básico, seja no início ou no fim, a experiência dos professores permite detectar situações de insucesso garantido entre os alunos. Os professores podem identificar estas situações, nos casos mais graves podem-nas referenciar a outras entidades (uma CPCJ, por exemplo), mas, na prática, o resultado é quase sempre o insucesso. No segundo e terceiro ciclos, também se conseguem identificar rapidamente situações em que se antevê o insucesso garantido. Há quem se “mande aos arames” ao ler estas coisas, culpando os professores – ao bom jeito da senhora ministra e dos seus secretários – por não fazerem nada para contrariar e inverter a situação. Pois bem, assim sendo, vamos a um exemplo. Um aluno vive numa família onde a violência gratuita, o achincalhar dos outros, a agressão verbal, a linguagem ofensiva e rica em palavrões, e o desprezo pelo conhecimento e pela cultura compõem o dia-a-dia. Para além de um ambiente familiar hostil à serenidade necessária ao estudo, este aluno leva consigo, para a sala de aula, um reboliço mental que não lhe dá margem de manobra para aprender o mesmo que os outros. Quando falamos de igualdades e direitos, este aluno fica, obviamente, de fora. Uma aluna de seis anos vive numa família em que o pai lhe dá pontapés na cabeça e um familiar do sexo masculino tem autorização para abusar sexualmente dela, partilhando frequentemente a mesma cama. As conversas à mesa e pela casa abordam o sexo de forma gratuita e a menina assiste a filmes pornográficos na presença da família. Na escola, o comportamento é do mais instável, oscilando entre a ternura e a agressão verbal e física. A CPCJ pouco pode fazer, pelo que o destino desta garota será, invariavelmente, o insucesso. Com o devido prejuízo para os alunos que tiverem o azar de a ter na turma. Não tão graves, são alunos que já descobriram que são eles que mandam nos pais. Ou que os pais, afinal, pouco se importam com os seus resultados escolares. Enfim. Diagnosticam-se os problemas, mas o Estado não dá soluções. Porque, convenhamos, e deixemos de fora os lirismos, na maior parte das vezes o problema do insucesso reside em casa, onde a escola pouca ou nenhuma influência tem. Quantos são estes alunos?
Sexta-feira, 28 de Março de 2008
É minha convicção que o bicho Homem sempre foi como hoje é, assim como as criancinhas e os jovens de hoje são tal e qual como há 100 ou 1000 anos atrás. Mudam pormenores técnicos, mais telemóvel menos pião, mas a essência continua na mesma.
Por tal, quando se fala naquele lugar comum dos “sinais dos tempos”, convém isolar o que é, realmente, um sinal dos tempos, e o que é apenas um reflexo desses sinais. Teorias da treta, é aquilo a que me proponho nas linhas seguintes.
A irreverência, a rebeldia, a insolência, a indisciplina, a insubordinação e outras coisas do mesmo calibre, fazem parte do repertório humano, logo desde tenra idade. Desde sempre.
Comentar que os jovens de hoje isto, ou que os jovens de hoje aquilo, por comparação com o “nosso tempo”, é um dos exercícios mais estéreis que se pode fazer. Ao ler comentários escritos há 100 ou 1000 anos atrás, sobre os problemas dos jovens, sem que se saiba a data em que foram escritos, fica-se com a sensação de estar a ler um texto actualíssimo, escrito há menos de uma semana. O maior erro – ainda por cima, recorrente e irritantemente repetido – que se comete sistematicamente em educação, é tentar adaptar tudo aos “sinais dos tempos”, aos “dias de hoje”, aos “jovens de hoje”.
A consequência deste erro é um sistema de feedback (de realimentação, como nos sistemas de controlo), em que uma medida errada provoca alterações sociais, as quais são interpretadas como “sinais dos tempos” em vez de serem vistas como consequências daquela medida errada. A resposta será mais uma medida, geralmente errada, que procura combater “sinais dos tempos” em vez de procurar corrigir a anterior medida. O passo seguinte, já se sabe qual é. Assim como os outros que lhe seguem, e por aí fora.
Quando hoje falamos em indisciplina, falta de educação, insucesso, abandono, ou outras crises sociais associadas à escola, talvez se possa pensar no seguinte:
1. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram a indisciplina como uma forma natural de estar no mundo, sendo uma atitude praticamente irrepreensível e incriticável.
2. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram a falta de educação como uma verdadeira forma de educação, onde o respeito é um conceito antiquado, desprezível e perfeitamente dispensável.
3. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram o insucesso e o abandono escolares como algo tão aceitável como comer um iogurte ao pequeno-almoço. Falhar e abandonar são dois conceitos que se equilibram, em termos de prestígio social, com os conceitos de conseguir e compromisso.
4. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que não sentem vergonha alguma num desempenho outrora reprovável (ou menos louvável). Falhar, ser-se mal educado, faltar às obrigações, perturbar a ordem, agredir, insultar ou enganar, são atitudes tão aceitáveis que deixaram de trazer vergonha a quem as pratica ou, sequer, aos seus familiares e amigos. Em suma, a verdadeira crise que Portugal enfrenta é a falta de vergonha!
A generalização do cidadão desavergonhado é que é o real sinal dos tempos!
Segunda-feira, 3 de Março de 2008
“No combate ao insucesso escolar
Trabalho dos professores decisivo
A Fenprof atribuiu este sábado que a redução do insucesso escolar, anunciada ontem pelo Governo, de ficou a dever ao trabalho dos professores. O sindicato considerou ainda que é preciso saber se à quebra nas taxas de abandono e retenção corresponde a um aumento da qualidade de ensino.”
in Correio da Manhã
Não concordo com esta posição. A redução do insucesso escolar deve-se, de facto, às medidas e às políticas do ME, e não aos professores. Senão, é o mesmo que admitir que, anteriormente, os professores não actuaram para reduzir o insucesso. O trabalho dos professores continua o mesmo. O que mudou, foi o regulamento do jogo.
No Verão de 2008, estes números serão ainda menores e a comunicação social tratará de espalhá-los, como uma boa nova.
Na minha escola, ou seja, baseando-me naquilo que conheço e vivo, ao invés daquilo que ouvi dizer, constato como contribuiremos para as reduções relativas ao ano lectivo de 2007/2008.
Insucesso: integração de alunos preguiçosos e com retenções numa turma de Percurso Curricular Alternativo, desde o início do ano; integração de mais alunos preguiçosos e com retenções numa outra turma de Percurso Curricular Alternativo, criada a meio do ano lectivo; saldo público – 25 alunos com transição garantida, genialmente salvos do implacável monstro da retenção; saldo privativo – 25 alunos que transitam sem as “competências” e conhecimentos que a sociedade imagina que adquiriram, com a agravante de assimilarem que a ociosidade e o desleixo compensam.
Abandono: recuperação fantástica e bombástica e outras coisas acabadas em “ástica”, de dois alunos fora da escolaridade obrigatória, reprovadíssimos por faltas sem conta, as quais deixaram mesmo de contar, por ordens superiores.
Por falar em números, quando foram apresentados os números deste ano lectivo, que contas vão ser feitas entre os alunos que abandonaram a escola este ano, os que abandonaram em anos anteriores, os que regressaram para frequentar CEF’s e PCA’s e outras coisas que tais, os que não regressaram porque não chegaram a sair, e os que regressaram apenas no papel? Um milagre, estou mesmo a imaginar…
Domingo, 17 de Fevereiro de 2008
Pouco depois de as aulas terminarem, mais semana, menos semana, prevê-se que a ministra venha fazer propaganda sobre:
1. A vitória no combate ao abandono escolar no Ensino Básico. As faltas literalmente não contam, o que faz com que, tecnicamente, não chegue a haver abandono, mas isso é um pormenor insignificante.
2. A guerra quase ganha no combate ao insucesso escolar no Ensino Básico. Notas inflacionadas pelo receio da avaliação do “desempenho”, alunos transitados sem irem às aulas, epidemia de turmas de currículo alternativo… pormenores, pormenores… E esqueçam lá aquela coisa do exame no Estatuto do Aluno, está bem?
Sábado, 16 de Fevereiro de 2008
O misterioso senhor “a”, brilhava assim, um dia destes, no Fórum da DGRHE:
“Desencadear um processo de avaliação de desempenho constitui um grande desafio para toda e qualquer organização. Pô-lo em marcha só é possível quando todos os intervenientes acreditam que a avaliação é um processo de melhoria quer do próprio, quer da própria organização com vista ao alcançar de melhores resultados.”
Alguém, cheio de esperança, respondeu com um desabafo:
“Concordo com os princípios deste regime de avaliação, mas é inevitável não nos questionarmos se o modo como está a ser implementado nos faz de facto acreditar que vai contribuir para a melhoria de alguém a curto prazo (até Junho!). Nenhum processo se implementa em 30 dias?! Será que não poderemos contribuir melhor para a melhoria? Tenho esperança que sim.”
Caro esperançado,
Lamento desiludi-lo, mas qualquer processo consegue implementar-se em 30 dias! E quem diz um processo, diz uma ponte, um prédio, o que lhe apetecer. O que vem a seguir ao último dia, isso já não interessa. Que o processo lance o caos e prejudique o normal funcionamento das escolas, isso não interessa. Tal como não interessa se a ponte cai ou o prédio tomba. O que interessa mesmo, é implementar, que o calendário político não pode perder tempo com ninharias. Além do mais, torna-se óbvio que, se aderirmos em massa a este fantástico processo de avaliação do desempenho docente, iremos contribuir – como nunca – para a melhoria. Como? Simples: até ao final do presente ano lectivo, milhares de professores traçarão os seus objectivos individuais com base no sucesso milagroso e no abandono impossível, sendo, assim, empurrados para a simpática missão de classificar os seus alunos de forma inflacionada, único meio de não saírem penalizados na avaliação. No final do ano lectivo, a ministra virá à praça pública pavonear-se com a espantosa melhoria dos resultados escolares dos alunos portugueses e com a impressionante diminuição do insucesso, fruto das suas inteligentes e inovadoras medidas. Em meia dúzia de meses, a implementação deste modelo de avaliação fará disparar para cima as notas negativas dos alunos. Claro que vamos melhorar…
Domingo, 3 de Fevereiro de 2008
Há dias, um supostamente competente psicólogo ligado à área da educação, prestava-se a uma palestra sobre aquelas coisas bonitas da educação para as quais não parece haver solução. Um dos diapositivos apresentados, tentava explicar à plateia descrente os motivos para o insucesso dos alunos. O abandono vem por arrasto, dizia, mas também arranjou mais meia dúzia de motivos. Enfim, os psicólogos e os sociólogos e os “ólogos” que vivem dessa máquina misteriosa que é a educação, são mestres na arte de encontrar mil e uma causas para um problema, para que, logo a seguir, se inventem outras tantas soluções, numa amálgama de ideias e medidas que, passados uns tempos e pousada a poeira, se revelam inúteis. Olhei para o diapositivo sobre as causas do insucesso e espantei-me por não encontrar uma única que se enquadre na realidade dos miúdos que me têm passado pelas mãos. E decidi armar-me em psicólogo e sociólogo e “ólogo” de qualquer coisa e fazer, também, uma lista de causas para o insucesso e para o abandono. As limitações que me assistem, não me deixaram ir além de uma causa única, foleira e rudimentar. O insucesso acontece porque, fora uma percentagem muito diminuta da população escolar, os alunos têm uma tendência natural para o insucesso. Ser bem sucedido implica esforço mental: estudar, estar com atenção, ler, raciocinar, pesquisar, pensar, reler, memorizar, descobrir o porquê, rever, etc. E, como é sabido, o esforço mental cansa o ser humano. Portanto, se cansa, é melhor não fazer, até porque não dá milhões, nem sequer amendoins. Fora aquela tal percentagem diminuta, os deveres inerentes à profissão de estudante não fazem qualquer sentido e apenas servem para maçar as crianças e os jovens. O que os faz cumprir – uns mais, outros menos – com os seus deveres de estudante, são os pais (ou, leia-se, os encarregados de educação), que a isso os obrigam. Não havendo esta pressão hierárquica, surge o insucesso, obviamente. Basta vacilar na convicção, facilitar, aceitar o fracasso como natural, e lá se vai a pressão. Não vale a pena falar em motivação, porque, para a maioria dos alunos, a “motivação” é apenas essa pressão. Pela mesma ordem de ideias, o abandono tem causa idêntica. Enquanto vencer a pressão familiar, anda-se na escola. Mal a pressão perca o braço de ferro com o infinito desejo de liberdade do jovem, dá-se o abandono. Por tal se justifica que o sucesso dependa, quase exclusivamente, do papel dos pais. Penso eu de que. Incrível, é como se pode querer mexer de forma séria e pujante na educação, sem mexer com o factor que mais influencia o sucesso, a disciplina e tudo o mais: os pais!