É minha convicção que o bicho Homem sempre foi como hoje é, assim como as criancinhas e os jovens de hoje são tal e qual como há 100 ou 1000 anos atrás. Mudam pormenores técnicos, mais telemóvel menos pião, mas a essência continua na mesma.
Por tal, quando se fala naquele lugar comum dos “sinais dos tempos”, convém isolar o que é, realmente, um sinal dos tempos, e o que é apenas um reflexo desses sinais. Teorias da treta, é aquilo a que me proponho nas linhas seguintes.
A irreverência, a rebeldia, a insolência, a indisciplina, a insubordinação e outras coisas do mesmo calibre, fazem parte do repertório humano, logo desde tenra idade. Desde sempre.
Comentar que os jovens de hoje isto, ou que os jovens de hoje aquilo, por comparação com o “nosso tempo”, é um dos exercícios mais estéreis que se pode fazer. Ao ler comentários escritos há 100 ou 1000 anos atrás, sobre os problemas dos jovens, sem que se saiba a data em que foram escritos, fica-se com a sensação de estar a ler um texto actualíssimo, escrito há menos de uma semana. O maior erro – ainda por cima, recorrente e irritantemente repetido – que se comete sistematicamente em educação, é tentar adaptar tudo aos “sinais dos tempos”, aos “dias de hoje”, aos “jovens de hoje”.
A consequência deste erro é um sistema de feedback (de realimentação, como nos sistemas de controlo), em que uma medida errada provoca alterações sociais, as quais são interpretadas como “sinais dos tempos” em vez de serem vistas como consequências daquela medida errada. A resposta será mais uma medida, geralmente errada, que procura combater “sinais dos tempos” em vez de procurar corrigir a anterior medida. O passo seguinte, já se sabe qual é. Assim como os outros que lhe seguem, e por aí fora.
Quando hoje falamos em indisciplina, falta de educação, insucesso, abandono, ou outras crises sociais associadas à escola, talvez se possa pensar no seguinte:
1. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram a indisciplina como uma forma natural de estar no mundo, sendo uma atitude praticamente irrepreensível e incriticável.
2. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram a falta de educação como uma verdadeira forma de educação, onde o respeito é um conceito antiquado, desprezível e perfeitamente dispensável.
3. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que encaram o insucesso e o abandono escolares como algo tão aceitável como comer um iogurte ao pequeno-almoço. Falhar e abandonar são dois conceitos que se equilibram, em termos de prestígio social, com os conceitos de conseguir e compromisso.
4. Hoje, são cada vez mais os jovens, os pais, as famílias e cada vez mais a sociedade, que não sentem vergonha alguma num desempenho outrora reprovável (ou menos louvável). Falhar, ser-se mal educado, faltar às obrigações, perturbar a ordem, agredir, insultar ou enganar, são atitudes tão aceitáveis que deixaram de trazer vergonha a quem as pratica ou, sequer, aos seus familiares e amigos. Em suma, a verdadeira crise que Portugal enfrenta é a falta de vergonha!
A generalização do cidadão desavergonhado é que é o real sinal dos tempos!