Sexta-feira, 8 de Maio de 2009

As contas que o ME não quer fazer…

Sócrates e os seus fiéis seguidores no Ministério da Educação muito gostam de contas e de estatística. Números, portanto. Na minha humilde opinião, há outras contas e outras estatísticas que eu, pessoalmente, gostaria que viessem a público, pela sua importância óbvia na eficiência do sistema educativo nacional. Eu acho que a importância é óbvia, porque sou professor e conheço – por dentro – o que afecta o insucesso nas nossas escolas. Claro que outros podem achar que a importância é pouca ou nenhuma, ou que eu, por ser professor, não conheço o que contribui para o insucesso (os “especialistas de gabinete” é que dominariam estes assuntos). Cada um que pense por si. Vamos a contas:

 
1. As aulas perdidas com a aposentação
Quando os jornais e televisões eram bombardeados com estatísticas sobre as faltas dos professores, julgo que faltou apresentar os números relativos às dezenas de aulas que milhares de alunos perdem, por ano, por via da aposentação de professores a meio do ano lectivo. Enquanto não vem a aposentação – e isto tem sido a realidade em muitas situações -, há semanas seguidas sem aulas, atestados médicos desnecessários, ansiedade escusada, stress e desmotivação. E alunos prejudicados! Ou seja, um ME que tanto fingiu preocupar-se com as faltas dos professores, ainda não foi capaz de criar um mecanismo que evite estas situações. Na prática, os alunos ficam bastante mais prejudicados com estas situações, do que com alguns 102º espalhados pelo ano lectivo. Uma estatística comparativa poderia fazer descer alguma luz sobre o sistema, digo eu.
 
2. O tempo efectivo de aprendizagem
Se há uma coisa que é notória, é a ignorância do que se passa dentro das quatro paredes das salas de aula. Os professores que lá trabalham, sabem-no bem. Mas, derivado a esse fantástico conceito que é o “caso pontual”, as salas de aula portuguesas são todas umas eficientes fábricas de produção de “Jaguares”, segundo a visão iluminada da senhora Ministra da Educação. As contas que eu gostava de ver feitas e publicadas, dizem respeito ao tempo efectivo de aprendizagem dentro das salas de aula. Isto é, numa aula de noventa minutos, quantos minutos são dedicados efectivamente a aprendizagens (ensinar e aprender, entenda-se) e quantos são dedicados a outras actividades menos nobres e desconhecidas dos “especialistas”, nomeadamente no controlo e combate da indisciplina. Convém explicitar que a interrupção de uma aula, nem que seja para mandar um aluno calar-se ou virar-se para a frente, resulta de uma situação de indisciplina, implicando a perturbação da concentração de todos os alunos e, consequentemente, a diminuição da qualidade das aprendizagens. Por mais que os pais defendam que não é indisciplina e que os filhos são apenas muito faladores e/ou irrequietos e/ou outra desculpa qualquer. Houvesse números públicos, sérios, e quer-me parecer que teríamos um escândalo nacional. Porque, da realidade que conheço, há situações frequentes de tempos efectivos de aprendizagens inferiores a 50%, ao longo de praticamente todo o ano lectivo. Isto equivale a que, por exemplo, no final do ano lectivo, milhares de alunos tenham tido menos de 50 aulas de Matemática, em vez das 100 que o Estado diz que os alunos têm. Milhares de “casos pontuais”, claro.
 
3. O dinheiro oferecido sem nada em troca
Quando tivemos a Avaliação Externa na nossa escola, vi-me, pela primeira vez, confrontado com o conceito de custo por aluno. Neste caso, uns 6000 euros anuais por cada um. Ou seja, o Estado, cujo fundo de maneio vem da remuneração de todos nós, oferece 6000 euros, por aluno, às famílias que têm os filhos a estudar na nossa escola. Oferece, mas não pede nada em troca. Não pede esforço, nem dedicação, nem sucesso, nem sequer comportamentos adequados. A maior parte dos pais não paga 6000 euros de IRS ao Estado, nem nada que se pareça. Pelo que se trata, efectivamente, de uma oferta. Um exemplo. Um aluno entra para o 7º ano e o Estado paga-lhe 6000 euros para andar gratuitamente na escola. O aluno, que descobriu que os pais não se importam muito com o seu sucesso escolar ou que não mostraram autoridade suficiente para o obrigar a ter aproveitamento, chega ao fim do ano lectivo e fica retido. O Estado, generoso quanto baste, chega-se à frente com outros 6000 euros para o ano lectivo seguinte. A estória repete-se, com nova e lamentável retenção. Os pais, entretanto, já descobriram que o filho ficou retido, pela segunda vez, por vingança e/ou perseguição dos professores, claro. Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado entra com outros 6000 euros. A escola tenta dar a volta à situação, com uma transição por baixo da mesa, perante o ar de gozo e de desplante do aluno (e dos pais, já agora). Com jeito, talvez integre uma turma de PCA, ou um CEF, ou outra alternativa qualquer que, pela dimensão das turmas, sugere um custo por aluno muito superior aos dos alunos aplicados e cumpridores. Nunca o Estado encosta o aluno e os respectivos pais à parede e lhes pede contas pelo esbanjamento dos 6000 euros. Nunca! Mas era bom que se fizessem contas à vida e se contabilizasse o dinheiro que foi literalmente atirado ao lixo pelas famílias que não obrigaram os seus filhos a estudar e a ter aproveitamento. Como se isso não bastasse, quantos destes desperdícios não estiveram (e estão, e vão continuar a estar) associados directamente ao prejuízo dos alunos que querem aprender (ou cujos pais os obrigam a aprender)? Contas, precisam-se. Felizmente, este Estado descobriu o remédio para que nunca mais seja necessário fazer este tipo de contas e muito menos encontrar soluções: a milagrosa abolição das retenções. Mais um passe de mágica.
 
4. O insucesso garantido
Durante o primeiro ciclo do ensino básico, seja no início ou no fim, a experiência dos professores permite detectar situações de insucesso garantido entre os alunos. Os professores podem identificar estas situações, nos casos mais graves podem-nas referenciar a outras entidades (uma CPCJ, por exemplo), mas, na prática, o resultado é quase sempre o insucesso. No segundo e terceiro ciclos, também se conseguem identificar rapidamente situações em que se antevê o insucesso garantido. Há quem se “mande aos arames” ao ler estas coisas, culpando os professores – ao bom jeito da senhora ministra e dos seus secretários – por não fazerem nada para contrariar e inverter a situação. Pois bem, assim sendo, vamos a um exemplo. Um aluno vive numa família onde a violência gratuita, o achincalhar dos outros, a agressão verbal, a linguagem ofensiva e rica em palavrões, e o desprezo pelo conhecimento e pela cultura compõem o dia-a-dia. Para além de um ambiente familiar hostil à serenidade necessária ao estudo, este aluno leva consigo, para a sala de aula, um reboliço mental que não lhe dá margem de manobra para aprender o mesmo que os outros. Quando falamos de igualdades e direitos, este aluno fica, obviamente, de fora. Uma aluna de seis anos vive numa família em que o pai lhe dá pontapés na cabeça e um familiar do sexo masculino tem autorização para abusar sexualmente dela, partilhando frequentemente a mesma cama. As conversas à mesa e pela casa abordam o sexo de forma gratuita e a menina assiste a filmes pornográficos na presença da família. Na escola, o comportamento é do mais instável, oscilando entre a ternura e a agressão verbal e física. A CPCJ pouco pode fazer, pelo que o destino desta garota será, invariavelmente, o insucesso. Com o devido prejuízo para os alunos que tiverem o azar de a ter na turma. Não tão graves, são alunos que já descobriram que são eles que mandam nos pais. Ou que os pais, afinal, pouco se importam com os seus resultados escolares. Enfim. Diagnosticam-se os problemas, mas o Estado não dá soluções. Porque, convenhamos, e deixemos de fora os lirismos, na maior parte das vezes o problema do insucesso reside em casa, onde a escola pouca ou nenhuma influência tem. Quantos são estes alunos?
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publicado por pedro-na-escola às 18:23
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Terça-feira, 5 de Maio de 2009

Requerimento da Deputada Manuela Melo (PS)

REQUERIMENTO
Assunto: Escola Infanta D.Maria - Coimbra  
Destinatário: Ministério da Educação    
 
Ex.ma Sra. Ministra da Educação
 
Ao abrigo disposições legais e regimentais, solicito ao Ministério da Educação que solicite, à Presidente do Conselho Executivo da Escola Infanta D. Maria, em Coimbra, respostas para as seguintes questões:
 
1 – Em noticia publicada no Expresso de 4 de Abril de 2009, o jornalista incluiu, como citação da Drª. Rosário Gama, a seguinte frase: “Os alunos não estão a faltar menos. Há é um menor registo dessas faltas e uma maior tolerância na sua marcação”
 
2 – Recentemente acção inspectiva da IGE, no entanto, aponta em sentido contrário: a Escola Infanta D. Maria aparece mesmo com uma percentagem de redução de faltas dos alunos do ensino secundário – 43,3% - que é claramente superior á média nacional (22,4%/
 
3 – Perante esta discrepância e tendo, como deputada da Comissão de Educação da Assembleia da República, (foi discutido e aprovado o Estatuto do Aluno), o máximo interesse em conhecer o impacto da nova lei na assiduidade dos alunos, solicito à Presidente do Conselho Executivo da Escola Infanta D. Maria que me esclareça sobre os pontos seguintes:
 
a) Está correcta a citação, atrás referida, incluída no artigo do “Expresso” de 4 de Abril?
 
b) Se está, em que dados se baseou para afirmar que há “menor registo de faltas” e “maior tolerância na sua marcação”?
 
c)Se não está, foi pedido ao Expresso um desmentido da citação?
 
d) Os dados referidos pela IGE – diminuição em 43,3% do número de faltas dos alunos do secundário da Escola Infanta D. Maria – foram baseados na resposta da escola ao Inquérito sobre a Aplicação do Estatuto do Aluno. Confirma a veracidade e o rigor da informação enviada à DREC? Considera que os dados enviados pela escola foram correctamente transmitidos pela IGE após a acção inspectiva já referida?
 
Palácio de São Bento, 24 de Abril de 2008.
 
Manuela Melo
Deputada do GP/PS
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publicado por pedro-na-escola às 22:25
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Nota 2 sobre a contabilização das faltas dos alunos

 (enviada por Valter Lemos à Assembleia da República)

 

A propósito de uma acção da IGE nas escolas secundárias de Santa Maria, em Sintra, de Sampaio, em Sesimbra, Vergílio Ferreira, em Lisboa, e Infanta D. Maria, em Coimbra.
 
A Inspecção-Geral da Educação (IGE) verificou que as escolas secundárias de Santa Maria, em Sintra, de Sampaio, em Sesimbra, Vergílio Ferreira, em Lisboa, e Infanta D. Maria, em Coimbra, cumprem a legislação em vigor sobre as faltas dos alunos, ao contrário do que se poderia depreender de textos publicados no Expresso, em 04 de Abril, e no Diário de Notícias (DN), em 06 de Abril, respectivamente.
 
Em concreto, a IGE apurou que não existe qualquer apagamento de faltas nem qualquer ilegalidade ou irregularidade no registo das mesmas ou nos regulamentos internos destes estabelecimentos de ensino.
 
No semanário, a presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Infanta D. Maria, Rosário Gama, afirmava que “Os alunos não estão a faltar menos. Há é um menor registo dessas faltas e uma maior tolerância na sua marcação”.
 
Já o diário fazia chamada de capa, com o título “Regulamento de algumas escolas manda limpar faltas” e o texto justificativo: “Há escolas em que os regulamentos internos dão orientações claras aos directores para que não contabilizem as faltas dos alunos que, entretanto, passem na prova de recuperação. (…)”.
 
No interior, na página 12, os jornalistas Patrícia Jesus e Pedro Sousa Tavares davam como exemplos destas escolas a Santa Maria e a Vergílio Ferreira e acrescentavam: “Nos documentos com as regras de funcionamento das escolas é explicado que existe essa orientação para “esquecer” as faltas devido ao novo estatuto do aluno”.
 
Por se poder estar perante situações ilegais, a IGE foi incumbida pelo secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, de averiguar o que estaria a ocorrer, no seguimento do anunciado (ver nota 1) e à semelhança da situação que envolveu a presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Rainha D. Amélia, Isabel Le Gué (ver nota 2).
 
Resultado da inspecção
 
A acção inspectiva concluiu que em todas as escolas mencionadas é cumprida a legislação em vigor, tanto na marcação de faltas, como na elaboração dos regulamentos internos, além que, de facto, as faltas dos alunos não são apagadas dos respectivos cadastros.
 
Da mesma forma, a IGE apurou que as escolas remeteram às respectivas direcções regionais de Educação as suas respostas ao Inquérito sobre a Aplicação do Estatuto do Aluno, informação que indica que o número de faltas dos alunos apresenta uma acentuada diminuição no corrente ano lectivo em relação ao anterior (ver nota 3).
 
No caso concreto da Infanta D. Maria, o número de faltas dos alunos do ensino secundário baixa 43,3%, um desempenho notável quando comparado com a redução média nacional de 22,4%; o aumento homólogo do número total de faltas no 3.º ciclo do ensino básico deve-se a que escola passou a ter turmas do 8.º ano, quando no ano lectivo anterior tinha apenas do 7.º ano.
 
Estes números chocam com a declaração citada da presidente do Conselho Executivo ao Expresso: “Os alunos não estão a faltar menos. Há é um menor registo dessas faltas e uma maior tolerância na sua marcação”. Na realidade, Rosário Gama ou conhece os números da sua escola, e a declaração, além de os esconder, não é verdadeira, ou desconhece, hipótese que se rejeita por elementar bom senso, mas que respeita a um cenário, inconcebível, em que Rosário Gama fala mesmo sem saber o que se passa na própria escola.
 
Diário de Notícias desmentido
 
A IGE concluiu também que não há qualquer ilegalidade na elaboração ou aplicação dos regulamentos internos, ao contrário do que é escrito no DN por Patrícia Jesus e Pedro Sousa Tavares.
 
A este propósito, o Conselho Executivo da Escola Secundária Santa Maria enviou mesmo um desmentido ao DN.
 
Aliás, aquele jornalista já havia sido desmentido por Isabel Le Gué e pelo presidente do Conselho de Escolas, Álvaro Santos, quando escreveu, em 01 de Abril, que as escolas estariam a apagar faltas (ver nota 2). No texto do Expresso, de 04 de Abril, a presidente do Conselho Executivo da Rainha D. Amélia “nega que alguma vez tenha dito que as faltas desaparecem”.
 
Notas
 
1 – Em dia 31 de Março, o Ministério da Educação fez saber que a Inspecção-Geral da Educação averiguaria sempre que tivesse conhecimento de uma qualquer situação concreta e apuraria responsabilidades (ver http://www.min-edu.pt/np3/3415.html).
 
2 – Ver “Nota sobre a contabilização das faltas dos alunos: A propósito de uma acção da IGE na Escola Secundária Rainha Dona Amélia”, de 07 de Abril de 2009, em http://www.min-edu.pt/np3/3450.html.
 
Do início desta nota:
 
A Inspecção-Geral da Educação (IGE) verificou não existir qualquer apagamento de faltas e não apurou qualquer ilegalidade ou irregularidade no registo das mesmas na Escola Secundária Rainha Dona Amélia, contrariando o que se poderia depreender das declarações da presidente do seu Conselho Executivo, reproduzidas pelo jornal Diário de Notícias (DN), do passado dia 01 de Abril.
Naquele dia, em artigo assinado por Pedro Sousa Tavares, atribuía-se a Isabel Le Gué a afirmação: "As faltas justificadas e injustificadas desaparecem do registo quando o aluno sujeito a uma prova de recuperação recupera"…
 
3 – Ver “Alunos faltam muito menos”, de 30 de Março último, disponível em http://www.min-edu.pt/np3/3403.html, cujo início é: “O número de faltas, justificadas e injustificadas, dos alunos do 3.º ciclo do ensino básico, correspondente aos 7.º, 8.º e 9.º anos, e do ensino secundário baixou de forma acentuada no primeiro período deste ano lectivo em termos homólogos, isto é, quando comparado com o mesmo período do ano lectivo anterior, revela um inquérito conduzido pelo Ministério da Educação sobre a aplicação do Estatuto do Aluno”.
 
Lisboa, 22 de Abril de 2009.
 
O GABINETE DE COMUNICAÇÃO
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