Quinta-feira, 30 de Outubro de 2008

Algures pela Guarda…

Uma reunião de presidentes dos conselhos executivos do distrito da Guarda, a propósito da avaliação do desempenho e de uma anterior reunião do mítico Conselho de Escolas.
 
1. Ambiente nas escolas
Tudo atafulhado, reuniões e mais reuniões e ainda mais reuniões, sem esquecer os papéis, mais os papéis e ainda as resmas de papéis. Projectos parados. Alunos atirados para esferas de interesses mais distantes, como que a cair no esquecimento. O centro da atenção, do tempo e das energias: a avaliação dos professores! Saturação geral. Os que podem, frustrados com um final de carreira tão desolador e sem sentido, debandam. Os que ficam, saturam.
(convenhamos que, com essa jogada de mestre da passagem garantida até aos doze anos, a avaliação dos docentes que tenham alunos até essa idade perde grande parte do sentido, digo eu)
 
2. Ambiente na reunião do Conselho de Escolas
Consta-se que foi (mais) uma paródia. Uma intervenção atribulada de um elemento, com uma pretensa introdução de mais um ponto para a ordem de trabalhos, gerou confusão e balbúrdia q.b., com consequente consumo inútil de tempo e um resultado final muito favorável a quem se imagina: não se discutindo assuntos sérios, não se tomam decisões, nem posições, pelo que o ME pode lavar daí as suas mãos e decidir a seu belo prazer, perante um Conselho de Escolas improdutivo. Até parece que a intervenção foi propositada, como que planeada para servir os interesses alheios. Mas isso já é muita especulação. Por falar em especulação, o sentimento dos membros do Conselho de Escolas foi de que o ME está um pouco com o coração nas mãos, com o aproximar da manifestação de 8/15. Assim a modos que com medo dos efeitos eleitorais.
publicado por pedro-na-escola às 20:27
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E os avaliadores?

Sobre o fantástico modelo de avaliação do desempenho dos docentes que tanta tinta tem feito correr, há um pequeno pormenor técnico que, apesar de tão singelo e despercebido, continua a estragar-me qualquer intenção de compreender o modelo e aceitá-lo como sério.
 
É que, num processo tão sensível e que envolve tanta gente, tantos parâmetros, tantas grelhas, tantos papéis, tantas dúvidas, ninguém certificou os avaliadores para essa nova tarefa que lhes caiu do céu!
 
Presumo eu, na minha limitada sapiência, que qualquer indivíduo ou empresa que se vá dedicar à avaliação de alguém ou algo, de forma séria e a uma escala universal, seja, primeiro que tudo, certificado para o fazer!
 
Não querendo exagerar, tomo como exemplo um restaurante a quem é concedida a competência de avaliar os outros restaurantes da cidade, com base num conjunto de parâmetros pré-definidos pela ASAE, sendo que dessa avaliação resultam consequências óbvias para o restaurante avaliado, em termos de estrelato, ou, em sentido inverso, em termos de cessação de actividade. A ASAE, sem se chatear muito, até porque está com pressa, escolhe para restaurante avaliador de cada cidade aquele que está simplesmente há mais tempo em funcionamento. Dá-lhe a competência para avaliar, uma explicação breve, uma palmada nas costas e aí vai ele. Eu, que sou dono de um restaurante mais recente, não consigo, por mais que tente, crer que a ASAE está a levar isto a sério, por mais boas intenções que tenha. Ninguém garantiu que o restaurante avaliador é, de facto, um excelente restaurante, com provas dadas e um exemplo a seguir. Pode ser, numa situação extrema, uma espelunca a funcionar desde o tempo da outra senhora, promovido a avaliador de restaurantes de cinco estrelas. Nem a ASAE estaria a levar isto a sério, nem sequer estaria a comportar-se como uma entidade séria. Ponto final.
publicado por pedro-na-escola às 00:29
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Quarta-feira, 29 de Outubro de 2008

Alternativas ao chumbo

Um dos colegas entrou na sala de professores, logo pelas 8h30, com os cabelos em pé, incrédulo com a notícia ouvida na TSF na viagem para a escola:
 
Conselho Nacional de Educação propõe alternativas ao chumbo dos alunos até aos 12 anos
 O Conselho Nacional de Educação tem pronto um parecer para entregar ao Governo, onde sugere que sejam encontradas alternativas aos chumbos dos alunos até aos 12 anos. A aposta deve assentar em medidas eficazes de apoio aos estudantes com maiores dificuldades.
Para o órgão consultivo do Governo para a Educação, as repetições são «um problema que tem proporções catastróficas para os alunos».
Segundo a edição esta quarta-feira do Diário Económico o Conselho Nacional de Educação recomenda ao Executivo para que encontre alternativas às repetições.
Só desta forma se pode atingir bons desempenhos por parte dos alunos e resolver os problemas de insucesso escolar, considera o parecer aprovado em plenário.
Nas propostas avançadas pelo Conselho Nacional de Educação estão estratégias de apoio aos alunos, intervenções aos primeiros sinais de dificuldades e estratégias de diferenciação pedagógica.
O Diário Económico refere que, na Finlândia, onde existe o melhor desempenho escolar do mundo, não há aluno que reprove na escolaridade obrigatória.
Já na Irlanda e na maioria dos países com bons resultados, as repetições foram substituídas por estratégias de apoio aos alunos.
O Conselho Nacional de Educação quer acabar de vez com a ideia de que repetir o ano nunca fez mal e por isso recomenda ao Governo que estude as soluções adoptadas noutros países.
No parecer fica a ideia de que o passar de ano sem que se tenha aprendido não é solução, mas a repetição também não o é, especialmente quando a responsabilidade da falta de aprendizagem é atirada para o aluno ou para a família.
TSF, 29 Outubro 2008
 
Dava para escrever um livro só com uma dissertação sobre esta ideia luminosa do Conselho Nacional da Educação…
 
Mas, vamos por partes:
 
1. O problema das reprovações e do insucesso, em Portugal, está bem longe de ter origem nas “dificuldades” imaginadas pelo ME e pelo CNE. Mas é o discurso repetitivo de quem procura soluções estéreis. De quem vive num mundo à parte mas tem poder de decisão sobre o mundo real.
 
2. As consequências das reprovações não são catastróficas para os alunos, enquanto fique bem claro, para todos os intervenientes (aluno, pais e escola), qual foi o motivo que levou a essa reprovação. Quando um (ou mais) dos intervenientes se recusa reconhecer o motivo, em especial quando tem culpa no cartório, aí, sim, temos um problema sério, com consequências graves para o aluno.
 
3. É bom que se procure copiar modelos de outros países nos quais a Educação funciona e tem bons resultados. Mas, a ser assim, que se copie o pacote inteiro e não apenas medidas avulso, daquelas que ficam bem na fotografia mas que não funcionam fora de determinado contexto.
 
4. Há uma paranóia, por parte do ME e do CNE, em continuadamente renunciar a que a responsabilidade da falta de aprendizagem seja atirada para o aluno ou para a família. É um ciclo vicioso, este em que andamos há décadas: o problema são as dificuldades das crianças, por isso damos-lhes apoios. Vêem-se resultados práticos? Claro que não!
 
5. É bom que se diga que “passar de ano sem que se tenha aprendido não é solução”, mas que, também e principalmente, passar de ano sem que se tenha aprendido é uma fraude! E é para aí que caminhamos, à descarada, com a bênção do povo e as ovações dos iluminados.
 
6. Há uma fracção da população portuguesa que tem um conceito sobre as aprendizagens na escola que parece estar a ficar obsoleto. É um conceito de que, para se aprender, é preciso alguma atenção, esforço individual e trabalho (leia-se estudo) em casa. Obsoleto, porque, agora, ao que parece, alguém descobriu que um aluno que não está minimamente atento nas aulas, não está para fazer qualquer esforço individual e tem mais que fazer em casa do que estudar, poderá transitar de ano, pacatamente, mercê de umas quantas misteriosas medidas de apoio e de uma monumental benesse governamental.
publicado por pedro-na-escola às 21:11
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Segunda-feira, 27 de Outubro de 2008

Dez dicas dos bombeiros

Os novos bombeiros contratados pelo Ministério da Educação para apagar os fogos de desespero nas escolas a braços com o flagelo da caótica ADD, foram instruídos apenas com formação para apagar beatas em dia de chuva. Ficamos todos mais descansados e com a certeza de que este vai continuar a ser um ano “quente”.

 
A capacidade de intervenção táctica desta especializada equipa de bombeiros não parece ir mais além do que algumas singelas dicas, sobre parte das quais tomo a liberdade de fazer uma interpretação livre, baseada em factos verídicos:
 
Dica um:
Esqueçam lá essas coisas do “Muito Bom” e do “Excelente”, ok? Isso só complica as coisas e não há necessidade disso. Atirem ao “Bom” para toda a gente e vão ver como isso acaba tudo em beleza.
 
Dica dois:
Objectivos individuais? Por favor, não exagerem. Quantos menos, melhor e mais fácil.
 
Dica três:
Por falar em objectivos individuais… não se apressem que o ano civil só acaba em Dezembro, e ainda vão bem a tempo.
 
Dica quatro:
Vá, não levem muito a sério aquela coisa dos objectivos individuais a apontarem para as metas quantitativas dos resultados dos alunos e do abandono escolar. Em vez de meterem como objectivo individual atingir x% de sucesso, metam, por exemplo, que ah e tal vão usar o quadro interactivo em mais de 15% das aulas com o intuito de aumentar o sucesso e assim contribuir para as metas da escola, ou que vão oferecer-se como tutores para os alunos y e z com o intuito de prevenir que abandonem a escola.
 
Dica cinco:
Será que as dificuldades que estão a sentir derivam única e exclusivamente do facto de estarem a complicar uma coisa que pode ser tão simples? Vá lá, simplifiquem o processo…
 
Dica seis:
Achais que os itens nas fichas enviadas pelo Ministério da Educação são demasiados? Cortai! Cortai nelas! Ou juntai-as aos pares, aos trios ou aos quartetos!
 
Dica sete:
Por falar em fichas, não entrem na histeria colectiva das fichas normalizadas para registos. Há para aí com cada coisa, que mais parece um tratado científico de dissecação de um porco em noventa volumes.
 
Dica oito:
Não se afoguem em stress… não vale a pena… isto é tudo para ir experimentando, sem pressas exageradas, sem stress, sem complicações…
 
Dica nove:
A seu tempo, não se sabe bem quando, chegará às escolas um guia de como traçar objectivos individuais… tudo o que sempre quis saber sobre a elaboração de objectivos individuais mas que o Ministério da Educação nunca explicou… numa escola perto de si…
 
Dica dez:
Não façam muitas ondas e não dêem ares de muita aflição. As gentes das Equipas de Apoio às Escolas estão mortinhas por encostarem os bombeiros a um canto e entrarem em campo, invadindo as escolas com fanfarras e bandeiras, distribuindo ordens a granel e acabando com os últimos suspiros de sanidade.
publicado por pedro-na-escola às 00:19
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Sexta-feira, 24 de Outubro de 2008

A saga dos Magalhães 4

Há um pormenor estranho nesta iniciativa fantástica dos “Magalhães” para todas as crianças do 1º ciclo: primeiro aparece a máquina e, só depois, com sorte, a formação!

 
Vamos imaginar uma empresa com milhares de trabalhadores, espalhados por milhares de sucursais, dispersas por todo o país. De repente, o dono da empresa decide que todas as sucursais vão passar a viver um ambiente moderno e informatizado, invadindo os espaços com computadores, mesas digitalizadoras, impressoras e Internet. O parque informático será operado por software específico para as valências e actividades administrativas daquela empresa, com ligações em rede. Há software para manobrar as máquinas, outro para gerir os stocks, outro para a contabilidade, outro para administração, outro para a partilha de documentação em rede, outro para isto e outro para aquilo. Os trabalhadores passam a recorrer à Internet para mexer na conta bancária da empresa, para receber pedidos de encomendas, para processarem as contribuições ao fisco, etc. Porreiro, pá! O mínimo dos mínimos, para que isto fosse um processo de mudança com pés e cabeça, seria preparar previamente os trabalhadores para a mudança. Dar-lhes formação para lidarem com todos os pacotes de software previstos, operarem com todo o equipamento novo e utilizarem os recursos necessários na Internet. No mínimo! Seria um perfeito disparate, digo eu, espetar com toda aquela panóplia nas sucursais da empresa e esperar que, de repente, os trabalhadores começassem a trabalhar com tudo aquilo como se sempre o tivessem feito ao longo da vida ou como se estivessem a beber mais uma cervejinha. Seria pouco inteligente esperar, por exemplo, que os trabalhadores aprendessem, sozinhos e por si próprios, a trabalhar com todas aquelas novidades. O disparate teria, como consequência óbvia, as sucursais às bolandas, os trabalhadores atarantados com o equipamento e com os programas, os clientes à espera, incrédulos, e a empresa a afogar-se num mar de tecnologia ao qual se atirou sem barco, sem bóia e sem saber nadar.
 
Esta estória foi uma pequena analogia com o programa “e-escolinha”. Exagero? Claro que é, em especial para quem vive num mundo à parte.
 
A realidade das escolas do 1º ciclo é muito simples:
·    A maioria dos professores lida diariamente com a tecnologia informática.
·    Usa-a para o seu trabalho individual, profissional, de preparação das aulas, registos, relatórios, etc.
·    Usa-a para que os seus alunos recorram à informática e à Internet de forma proveitosa para o ensino-aprendizagem.
·    Uma parte significativa dos alunos olha o computador como um aparelho muito amigável e não como um bicho-de-sete-cabeças.
 
Ora, esta realidade não é, de todo, compatível com uma nova realidade que a invasão do “Magalhães” trará às escolas. A saber:
·    Um computador para cada aluno, implica uma dinâmica na sala de aula que os professores desconhecem.
·    Um computador por cada aluno, que é o seu computador pessoal, que vai e vem todos os dias para casa, traz outros detalhes técnicos imprevisíveis, tais como alterações às configurações, jogos, jogos, mais jogos, imagens, ficheiros, vídeos, etc.
·    A dinâmica de uma sala de aula, com um computador por aluno, faz-se com alguns recursos novos, seja software ou aplicações online, os quais terão que ser aprendidos e dominados previamente pelos professores.
·    Controlar dois computadores numa sala de aula, prevenindo visitas a sites indesejáveis ou jogos não autorizados, implica um controlo muito menor e muito diferente de uma situação em que cada aluno tem o seu computador, com um ecrã minúsculo.
 
Haja a consciência de que, para se aprender a usar um novo software educativo, numa sala de aula, há dois aspectos principais:
·    A aprendizagem de todas as funcionalidades do software.
·    A dinâmica para colocar esse software a uso, com os alunos.
 
Haja a consciência de que, quando se pensa as coisas na base do desenrascanço:
·    Uma coisa, é um professor com uma grande facilidade em lidar com a informática, professor de TIC ou de outra disciplina, seja para instalar novos programas, corrigir erros ou explorar novos recursos.
·    E outra, é um professor que usa a informática dentro das balizas da sua prática profissional, com pouco à vontade, evoluindo em pequenos passos.
 
Se isto tudo não é um grande disparate, não sei que lhe chamar...
publicado por pedro-na-escola às 00:05
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Quinta-feira, 23 de Outubro de 2008

A saga dos Magalhães 3

Esta iniciativa do Ministério da Educação, tão apaparicada e elogiada por vários quadrantes, pensadores e comentadores de bancada, deixa-me com algumas preocupações. Para quem está a favor, seja por que motivo for, estas preocupações não passarão de blasfémias, exageros e disparates de quem está sempre do contra e não quer que o país avance nesse mar da tecnologia e da modernidade e blá-blá-blá... Seja! A mim, é que ninguém as consegue tirar…

 
Para que não haja dúvidas, estamos a falar de meio milhão de computadores portáteis nas mãos de outras tantas crianças, de norte a sul do país. Convém desmistificar o equipamento, pois, apesar da sua aparência infantil e fofinha, o “Magalhães” é um computador portátil. Traz o Windows XP Pro e tem capacidade para ligar a uma rede wireless (e à internet, por conseguinte). Há um orgulho babado, nos vários parceiros da iniciativa, em referirem que o “Magalhães” será o primeiro computador em muitos lares portugueses. Comercializou-se, na FNAC, creio que ao preço de 285 euros.
 
Posto isto, as minhas preocupações dividem-se em dois aspectos simples: a segurança e a segurança.
 
A primeira segurança, diz respeito à propriedade das máquinas.
 
De um momento para o outro, meio milhão de computadores portáteis começará a circular nas ruas portuguesas, feitos pastinhas de mão, transportadas por outras tantas criancinhas. Não quero ser agoirento, mas roubar um “Magalhães” será tão fácil como roubar um doce a uma criança. É só apanhar uma distraída, e zás!
 
Não é certo que cada criança transporta consigo um telemóvel, diariamente, e, mesmo traga um consigo, é provável que não seja grande máquina. Não é certo que cada criança virá a transportar diariamente um computador portátil, mas a probabilidade de o fazer é demasiado grande para que os amigos do alheio fiquem de braços cruzados, a vê-los a passar. Para mais, há uma ligeira diferença entre um telemóvel que se dá a uma criança de 7 anos e um computador portátil que no mercado vale mais de 200 euros.
 
Mas, não é preciso andar à cata de criancinhas indefesas, na ânsia de lhes sacar o valioso “doce”. Se as criancinhas estiverem em grupinhos, torna-se mais fácil, convenhamos, até porque em cada mão do larápio levam-se facilmente três ou quatro de uma vez. Melhor que uma criancinha indefesa ou um grupinho delas, é uma sala de aula com vinte “doces”, mais o “doce” do próprio professor. Em especial, se a sala de aula ficar numa escola algures num ermo. Mas, nem é preciso tanto. Na minha vila, bastam três fulanos para limpar uma escola com duas salas, encaixando o produto de quarenta “Magalhães”: um no carro e outro para cada sala. É só entrar de rompante, deitar a unha às máquinas, distribuir umas chapadas pela pouca resistência e sair correndo. Eu não quero ser agoirento, mas este filme deixa-me preocupado.
 
O representante da J. P. Sá Couto, quando confrontado com a possibilidade de os “Magalhães” levarem sumiço, seja por venda directa no mercado negro, seja por via do assalto, anunciou que as máquinas deixam de funcionar ao fim de três meses fora da escola. Segundo ele, tem que ver com a ligação à Internet na sala de aula. Uma misteriosa ligação, digo eu, que permite reabilitar os “Magalhães” depois de X tempo fora. Três meses, porque, no máximo, o aluno estará os meses das férias de verão fora da escola. Não é por nada, nem é para ser do contra, mas, numa sala cheia de pessoas intimamente ligadas à informática, o anúncio não pareceu convencer ninguém…
 
A segunda segurança, diz respeito à utilização das máquinas.
 
Lá em Cantanhede, os formadores bem que martelaram na tecla do “controlo parental”, essa fantástica manifestação de soberania dos progenitores e tutores das criancinhas. Através de software, os pais conseguem controlar a utilização dos computadores por parte das criancinhas, seja na estipulação das horas em que aquelas podem utilizar o computador, seja nos programas que podem usar, ou, mais fantástico ainda, nos sites da internet que podem visitar.
 
Como mero exercício académico, pus-me a correr, um a um, os pais dos alunos da minha escola, imaginando-os a exercer essa fantástica manifestação de soberania. Tenho a dizer que não correu muito bem. Tirando os que não estão para se chatear com o assunto, os que não estão para perder tempo a aprender a ligar um computador, os que têm medo de mostrar que não conseguem mesmo mexer no computador, os que sabem ligar o computador mas que ficam apavorados com a ideia de carregarem num ícone, os que até estão ligeiramente familiarizados com computadores mas que não se atrevem a ir mais além que o Word ou o Internet Explorer, e os que acham que as suas crianças são umas santas e que por isso não vale a pena perder tempo com essa coisa do “controlo parental”, sinceramente, sobram-me poucos pais que venham a exercer, de facto, esse controlo. Não quero ser do contra, mas, eu conheço os pais dos alunos da minha escola! A senhora ministra, não conhece, tal como os seus secretários de estado e todos os profissionais envolvidos nesta iniciativa do “Magalhães”. Para mais, são poucas as pessoas que conhecem os efeitos nefastos de uma utilização excessiva (e sem controlo) de computadores por parte de crianças ou jovens.
 
Partindo para um cenário mais grosseiro, e pondo as coisas de uma forma brejeira, estamos a oferecer, a centenas de milhar de crianças com menos de dez anos, acesso gratuito aos mundos da pornografia e da violência. Seja através da Internet ou directamente com uma “pen”.
 
Temos pais que não vêem qualquer problema em assistir a um filme pornográfico na companhia dos filhos. Temos irmãos das criancinhas em idade de saírem da casca e descobrirem o mundo maravilhoso do sexo. Temos amigos das criancinhas, tios das criancinhas, primos das criancinhas, vizinhos das criancinhas. Temos pais que são paus mandados dos filhos e que imediatamente acederão a uma “ordem” dos gaiatos para meterem internet em casa. Temos acesso livre à Internet em espaços públicos, via wireless, pomposamente disponibilizado por juntas de freguesia e outras entidades, orgulhosas do salto tecnológico e do sinal de modernidade. Temos plataformas como o “hi5”, onde milhares de jovens portuguesas menores de idade exibem constantemente fotografias pessoais em poses eróticas, frequentemente revelando uma acentuada crise de têxteis lá em casa, com a bênção dos pais e mães que acham que o “hi5” é o “hi5” e que o “hi5” é muito giro e ah e tal e a minha filha percebe tanto de computadores e estamos tão orgulhosos da nossa filha que até é uma santa. Temos pedófilos e molestadores, que, com a maior das facilidades, passam por jovens e crianças quando, através do MSN ou de salas de chat, contactam com verdadeiros jovens e crianças, criando laços, intimidades, relacionamentos, expectativas e pontes para um contacto físico real, com a bênção dos pais que sorriem perante o supostamente inocente vício do MSN, nesse fantástico mundo virtual que é a Internet. Eu não quero ser do contra, mas…
 
Sobeja-me a alegria de saber que já há pais que não querem comprar o “Magalhães” aos filhos e que se recusam embarcar nesta onda. Para eles, quer-me parecer, a educação dos filhos vem em primeiro lugar. Acima de qualquer histeria colectiva e de qualquer iniciativa menos convincente.
publicado por pedro-na-escola às 00:05
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Quarta-feira, 22 de Outubro de 2008

A saga dos Magalhães 2

É um facto que os dois dias de formação em Cantanhede não serviram de muito. Regressámos todos às escolas com aquela sensação patética de não termos aprendido nada e, consequentemente, não termos nada para ensinar aos nossos colegas do 1º ciclo. Ainda pensámos que iriam distribuir um “Magalhães” a cada escola, para podermos mostrar aos colegas, para estes se ambientarem à máquina que os seus alunos trarão para a sala de aula, mas nem isso. Falou-se em software variado, mostraram-se alguns exemplos, mas ninguém aprendeu a trabalhar com o que quer que seja.

 
A Intel esteve em peso. A Microsoft, também marcou presença. A Caixa Mágica e a J. P. Sá Couto, idem. Se não aprendemos praticamente nada, pelo menos tivemos oportunidades de sobra para reflectir sobre esta iniciativa inédita.
 
Um jovem e dinâmico formador da Intel (inglês falante) mostrou-nos um software bastante interessante para controlo de uma situação de utilização dos computadores em contexto de sala de aula. Permite ao professor controlar, vigiar, bloquear e operar o computador de cada aluno, lançar testes sincronizados, etc. Vimos, mas não aprendemos, porque não experimentámos. Faltou saber onde vamos buscar esse software. Parece que não é gratuito, segundo o formador, mas que as escolas podem consegui-lo gratuitamente através do Ministério da Educação. Ninguém percebeu muito bem como isso consegue, porque também ninguém soube explicar. Entretanto, durante a demonstração das potencialidades do software, o formador começou a rogar pragas (em inglês, claro) à rede wireless que estava instalada na sala, a qual não tinha capacidade para dar vazão à singela operação de visualizar, no computador do “professor”, o ambiente de trabalho de um dos “alunos”. Comentou (em inglês, claro) que, para o software funcionar em condições, a rede não podia ser uma qualquer, tinha que ser especial para o efeito. Não chegou a explicar a especialidade da coisa, mas ficou-nos a pulga atrás da orelha.
 
Numa formação seguinte, com o representante da J. P. Sá Couto, questionei este sobre essa tal rede wireless especial que tinha de ser montada em casa sala de aula do 1º ciclo para que se pudesse usar o tal software apresentado pela Intel (mas que não é da Intel). Após uns sorrisos misteriosos, o senhor respondeu-nos, em jeito de confissão de informações confidenciais de segredo de estado, que sabia de um protocolo entre o Ministério da Educação e as câmaras municipais para o fornecimento dessas tais redes e respectivos equipamentos. E mais não soube dizer.
 
Alguém levantou a questão da obrigatoriedade de o professor do 1º ciclo ter, ele próprio, um computador para poder gerir a sala de aula com os “Magalhães” com o tal software. De onde vem esse computador? Não tem que ser um “Magalhães”, claro, até porque, presume-se que o professor não possa comprar um. Terá que trazer o seu particular? Usará um dos computadores que eventualmente já tenha na sala, colocados em tempos pela autarquia? O Ministério da Educação fornecerá um computador por sala de aula para esse efeito? Ninguém sabe…
 
Uma jovem colega questionou o representante da J. P. Sá Couto sobre a possibilidade de um aluno comprar (ou receber gratuitamente) um segundo computador. O senhor estranhou a pergunta, ao que a colega respondeu com a previsão óbvia de que, ao fim de uma semana, na realidade da sua escola, muitos dos alunos já não teriam a sua máquina, por via da transmissão de propriedade a terceiros, a troco de uns trocados, de uns garrafões de tinto, ou de algo menos legal. Por iniciativa das crianças, dos irmãos das crianças, ou dos próprios pais das crianças. Ninguém sabe.
 
Questionei o mesmo senhor sobre um eventual estudo que tivesse sido feito sobre o impacto da utilização do “Magalhães” na visão das crianças, tendo em conta o ecrã minúsculo da máquina. São menos de nove polegadas de ecrã, que, com a resolução que apresentavam os exemplares que experimentámos, obrigava a ter olho de lince e excelente focagem. Obviamente não há um estudo sobre o assunto, mas o senhor respondeu que até aos 11 anos não tem problema nenhum. Pois, claro que não tem.
 
Por iniciativa própria, o senhor lavou as mãos da J. P. Sá Couto sobre a necessidade de andar a fazer propaganda à sua empresa e ao próprio “Magalhães”. Não era preciso, confessou. O fornecimento de 500 000 exemplares está garantido para este ano lectivo, assim como mais 160 000 para o próximo (alunos do 1º ano), e por aí fora. Junte-se o milhão para a Venezuela e sei lá mais o quê que se seguirá e, realmente, com tanto negócio garantido, a última coisa com que a empresa tem que se preocupar é em propagandear o seu produto-maravilha.
 
Ficou por saber, entre a máquina em si e o software pago que traz instalado, em quanto fica ao Estado (que somos todos nós, no dizer do poeta) cada uma destas unidades de inovação educacional e projecção mundial…
publicado por pedro-na-escola às 22:29
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Terça-feira, 21 de Outubro de 2008

A saga dos Magalhães 1

Fui um dos 200 professores presentes em Cantanhede, naquela impressionante “formação” de dois dias para Coordenadores TIC. O tema era o “Magalhães”, esse fenómeno que está a colocar Portugal na mira dos países mais avançados no que toca a Educação. Ou não.

 
Curiosamente, não sou o Coordenador TIC da minha escola. Esse, tem uma mão cheia de aulas, nomeadamente no CEF de informática, e, como tal, não se pode dar ao luxo de desaparecer durante dois dias inteiros. Tal como aconteceu com muitas outras escolas onde a mesma situação se coloca, fui como membro do Conselho Executivo.
 
À chegada, a felicidade de requisitar um “Magalhães” e meter-lhe os dedos em cima. É um computador portátil, como outro qualquer, com um ecrã minúsculo, um mini-teclado para dedinhos de criança, sem porta VGA nem leitor de CD/DVD.
 
As formações começaram de forma serena, por grupos, com vários formadores. Ouvimos falar várias vezes em controlo parental, trabalho colaborativo na sala de aula, vimos como funciona um software para gestão da aula e controlo dos computadores dos alunos, conversámos com um representante do fabricante das máquinas, etc.
 
Não consegui atingir a necessidade de haver uma bateria de formadores estrangeiros, nomeadamente da Intel, a falarem em inglês. A mim, não me fez diferença, mas muitos colegas viram-se à rasca para acompanhar as formações. Mesmo com os tradutores de serviço, bem pagos não se sabe por quem. Esta coisa do “Magalhães” deve ser um projecto bem sofisticado, para não haver, em Portugal, massa cinzenta suficientemente avançada para dar aquelas formações. Digo eu.
 
A meio da tarde do primeiro dia, duas senhoras professoras que colaboram com um instituto qualquer de inovação educacional, ou coisa que o valha, nos Estados Unidos (inglês falantes, portanto), disseram duas ou três coisinhas sobre a utilização das TIC em contexto de sala de aula, mas nada de extraordinário ou relevante. Uma delas, a que discursava e falava pelos cotovelos e gesticulava e ria e esbracejava e fazia a festa e deitava os foguetes, anunciou a proposta de trabalho de grupo que se seguia. Infelizmente, não poderia ficar muito mais tempo por ali, porque tinha um voo de regresso aos Estados Unidos daí a pouco tempo. Mas ficou a missão: elaborar uma obra artística – leia-se canção – subordinada ao tema do “Magalhães”. Qualquer coisa como a viagem do novo “Magalhães” nos mares da tecnologia.

Fomos divididos em grupos de 8-9 pessoas e toca a trabalhar. Foi uma situação de pouco à vontade, convenhamos. No meu grupo, oito estranhos a olharem uns para os outros, a tentarem perceber em que buraco tinham acabado de cair, transformados em artistas de momento e produtores artísticos, quando estavam ali supostamente para aprenderem algo para ensinar aos professores do 1º ciclo.
 
Uns optaram por cantar e gravarem um vídeo da cantoria em grupo. Outros preferiram não dar a cara e gravaram um vídeo sem actores de carne e osso. Os “trabalhos” prolongaram-se até mais tarde do que era suposto, num misto de frustração profissional e triste resignação.
 
Na manhã do segundo dia, ainda alguns grupos davam uns últimos retoques. À chegada, passei por um grupo que actuava para um “Magalhães” estrategicamente posicionado no tejadilho de um carro, webcam em modo gravação. Alguém dedilhava numa viola.
 
Se já havíamos gasto mais de duas horas no final do primeiro dia, às custas da produtividade artística, a manhã do segundo dia estava reservada para o espectáculo público. Ou seja, uma manhã inteira em que os vinte grupos de professores passaram, na íntegra, pelo palco, exibindo publicamente as suas obras artísticas.
 
A estratégia de distribuição de uns papelinhos à saída do palco, garantia a passagem de todos por esse momento de glória.
 
Aqui e além, vozes se levantam contra a figurinha que nós, os presentes, fizemos para as câmaras de vídeo, naquela manhã. A esses, tenho a dizer o que senti durante aquelas horas: como se estivesse recuado umas décadas no tempo, transladado para a antiga URSS, enfiado num evento de propaganda governamental disfarçada e misturado numa uma massa de subjugados que, a bem da preservação da sua condição laboral, não se atrevem a mandar tudo aquilo para as ortigas e regressar nesse preciso momento às suas vidas. Parece um exagero, mas foi o que senti, ali, sentadinho na minha cadeira.
 
As vozes levantam-se contra a figurinha dos professores a exibirem as suas produções artísticas, mas, lamento que não se fale na farsa escandalosa que foi uma formação para Coordenadores TIC em que cerca de 35% do tempo foi passado a preparar uma canção, a exibi-la em público e a ver os outros exibirem as suas. Não foi um pedacinho da formação! Foi cerca de 35% do tempo de formação!!!
 
Nada que não me espante demasiado nos dias que correm. No total dos seis dias inteiros em que tive que abandonar a escola (em momentos cruciais como o encerramento de um ano lectivo e o arranque do seguinte) para receber formação sobre Avaliação do Desempenho dos Docentes, não se abordou o tema durante mais do que duas horas líquidas! Mas, para que se registe, foram seis dias inteiros de formação sobre o tema...
publicado por pedro-na-escola às 21:09
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