Terça-feira, 29 de Setembro de 2009
Ainda estou com dificuldades de digestão, depois de ter engolido os resultados das eleições legislativas. Talvez me fique mal, do ponto de vista do “espírito democrático”, este tipo de comentário, mas, pela parte que toca à educação, Sócrates concretizou dois tipos de disparates:
1. Um ataque à classe docente, não tanto pelas questões corporativistas de que os defensores desse senhor tanto falam, mas pela forma como sacudiu, do capote dos políticos para os ombros dos professores, as culpas pelo estado da Educação, e pela quantidade de palermices sem sentido que assistiram à mudança do Estatuto da Carreira Docente e, consequentemente, da forma de avaliar o desempenho dos professores.
2. Uma facada profunda no serviço prestado pela Escola Pública à nação portuguesa, que a esmagadora maioria do povo não consegue vislumbrar, que inclui um claro incentivo ao lazer com a oferta de computadores a troco de nada, um regime de faltas dos alunos com o claro intuito de fazer brilhar as estatísticas do abandono, um inclinar acentuado do navio para os CEFs e PCAs – que “qualificam” muito mais do que formam -, e mais meia dúzia de trocos cuja visibilidade é ainda menor.
Há uma diferença gigantesca entre uma opção política e um disparate!
As opções políticas, tomam-se depois de muita ponderação e, quando necessário, depois de alguns testes. Implementam-se cuidadosamente, com coerência, com rigor, bem explicadas a todos os intervenientes, e, mesmo que haja discordâncias, reconhece-se-lhes algum sentido.
Os disparates… Bom! Os disparates acontecem quando se criam coisas mal feitas, não testadas, incoerentes, mal explicadas, disfuncionais e sem sentido.
Foram os disparates que colocaram 120 000 professores nas ruas, que originaram greves com uma adesão tão grande e que provocaram esta onda tão grande (nunca vista?) de contestação generalizada da classe docente. Ao contrário das desculpas esfarrapadas dos apoiantes de Sócrates, culpando o corporativismo, os sindicatos e o oportunismo da oposição. Corporativismo é coisa que nunca tivemos, tal é a falta de união da nossa classe; os sindicatos nunca na vida conseguiriam movimentar, por sua obra e graça, tanta gente; e o oportunismo da oposição, francamente, nunca conseguiu mexer mais que duas ou três palhas no palheiro inteiro.
Posto isto, uma fatia grande dos votantes acha que os disparates de Sócrates foram coisas bonitas de se ver e que assim o país vai longe. Senti alguma curiosidade em tentar perceber quem teria votado em Sócrates, evidenciando, assim, uma clara preferência pela continuidade dos disparates. A área da Educação, por ser a única que domino e sobre a qual me posso pronunciar com conhecimento de causa, é quanto basta para vislumbrar algumas respostas.
Quem votou em Sócrates?
1. Alguns Professores Titulares, que “treparam” administrativamente ao “coqueiro” da divisão superior da carreira, que tremem só de pensar que alguma vez o processo poderá ser invertido e assim voltariam à estaca zero, acabando-se-lhes a vantagem salarial quase eterna. Em especial alguns professores titulares de qualidade duvidosa, que sabem muito bem que de outra forma qualquer com algum pé de racionalidade nunca passariam “à frente” de colegas mais competentes.
2. Alguns pais e mães ansiosos pela dádiva de um Magalhães ao rebento que agora entrou no 1º ano, ou aos que entrarão nos anos seguintes. O peso do Magalhães a hora de votar é tanto que até houve oposição a garantir que também dava Magalhães ao povo.
3. Alguns pais e mães ansiosos pelos portáteis do programa e-escola, ou simples adultos em condições de obterem um, receosos que outro partido político pudesse acabar com o regabofe do programa.
4. Alguns adultos com todo o tipo de habilitações, desde sopeiras até professoras, que acham o máximo ter um primeiro-ministro que foi eleito o sexto homem mais elegante do mundo, ainda por cima tão bem falante.
5. Alguns singelos Professores, ansiosos por prestarem a Prova Pública e passarem a Titulares na próxima fornada de vagas que o magnânime Ministério da Educação se lembrar de criar num futuro muito próximo, deixando para trás – em matéria de remuneração – os restantes colegas que não puderam concorrer ou que se armaram em “tansos” e não quiseram concorrer.
6. Muitos ressabiados do povo, que andaram a bradar aos céus, durante toda a campanha, que depois de Sócrates ganhar as eleições a terrível vingança se iria abater sobre a escumalha dos professores, sendo que, tal como alguns afirmaram, “em qualquer país evoluído os professores são uns insignificantes e fazem parte da ralé”.
7. Muitos professores militantes do Partido Socialista, que, naquele momento íntimo e secreto do voto, sem ninguém a espreitar por cima do ombro que pudesse abanar a cabeça em sinal de reprovação, votam no seu partido do costume, porque é o partido do costume, mas, também, porque isso pode condicionar a forma como o povo irá votar nas eleições autárquicas, em cujas listas socialistas muitos deles participam.
8. Os beneficiários directos de medidas como aqueles subsídios que o Estado oferece, de mão beijada e sem requerer nada em troca, a quem não quer trabalhar, a quem passa o dia no café à espera que os trabalhadores regressem para poder gozar com eles.
Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009
"Magalhães" nas mãos do próximo Governo
O Ministério da Educação esclareceu hoje, quarta-feira, que caberá ao próximo Governo decidir se o computador Magalhães será entregue aos alunos que entraram este ano para o ensino básico.
"O que está decidido é que a decisão caberá ao novo Governo, seja ele qual for", disse, em declarações à Lusa, o secretário de Estado da Educação, sublinhando que é uma decisão que envolve despesa, mas recusando que o programa tenha sido "suspenso".
De acordo com Valter Lemos, o programa tem-se desenvolvido com "toda a normalidade", tendo sido entregues cerca de 400 mil computadores "a quase todas as crianças do ensino básico".
"Naturalmente que a nossa expectativa é a de que o próximo Governo, seja ele qual for, dê continuidade ao programa, pela importância que tem", salientou.
Segundo dados do Governo, o computador Magalhães foi entregue a 99 por cento dos mais de 400 mil alunos do ensino básico que se inscreveram no programa e.escolinhas, faltando disponibilizar o portátil a cerca de 4300 estudantes.
Fonte do Ministério da Educação esclareceu que a distribuição destes 4300 computadores não está em causa.
"As pessoas que se inscreveram no programa, já pagaram e ainda não receberam o computador irão recebê-lo", destacou.
Faz hoje um ano que o primeiro-ministro, José Sócrates, e onze elementos do Governo entregaram os primeiros três mil computadores Magalhães a crianças do primeiro ciclo, com um custo máximo de 50 euros e gratuitos para os alunos do primeiro escalão da Acção Social Escolar.
De acordo com dados do Ministério da Educação, inscreveram-se no programa no ano lectivo passado 407.701 alunos do ensino básico, tendo o computador sido entregue a 396.027 estudantes de escolas públicas e privadas do continente.
Dois comentários:
1. Não sei de quem partiu a ideia de passar esta questão para a comunicação social: se o Ministério da Educação, com objectivos óbvios, se a própria comunicação social, também com objectivos óbvios. Aliás, a notícia parece que surgiu, em primeira-mão, da Agência Lusa… de onde também partiram várias notícias sobre Educação com interesse suspeito. Digo eu, que já desconfio de muita coisa. Seja como for, esta notícia é uma clara declaração de intenção de compra de votos, com o preço a oscilar entre os 0 e os 50 euros. Aceitável e eficaz, pelos vistos, num país onde abundam os pobres de espírito que votarão PS só para os seus rebentos recebam um “Magalhães” à entrada para o 1º ano da escola. Intolerável num país civilizado, pelo meu prisma.
2. Quando participei numa daquelas famosas formações-faz-de-conta sobre o “Magalhães”, que envolveram cantorias e muito espectáculo, recordo-me bem da conversa do representante da J.P. Sá Couto, a propósito da perspectiva da empresa: “O fornecimento de 500 000 exemplares está garantido para este ano lectivo, assim como mais 160 000 para o próximo (alunos do 1º ano)”. Não faço ideia que esquemas foram montados entre o Governo e a J.P. Sá Couto, mas sei que muitas das coisas que ouvimos dizer que iam acontecer, em termos técnicos e estruturais, relativamente aos “Magalhães”, não aconteceram.
Terça-feira, 28 de Julho de 2009
Hoje recebemos, da nossa respectiva Equipa de Apoio às Escolas, uma mensagem urgentíssima: irmos, com urgência, à sede da EAE buscar computadores Magalhães, para, depois, os distribuirmos, com idêntica urgência, aos respectivos encarregados de educação. Até ao final da primeira semana de Agosto.
Deve haver um prazo qualquer que interessa a “alguém” que seja urgentemente cumprido, sabe-se lá se por motivos eleitoralistas. Ao ponto de tomarem as direcções das escolas por moços de recados e estafetas.
Estou farto de tanta palhaçada!...
Terça-feira, 30 de Junho de 2009
Fui ler, na íntegra, o artigo original de Don Tapscott, sobre o exemplo de Portugal para solucionar o problema da Educação nos Estados Unidos. Isto já passou, mas, confesso que o aparecimento de escritos desta natureza me fascina. Fascina-me porque é um daqueles casos em que há um problema de dimensão mais que muita, de resolução mais que difícil e nada óbvia, ou, provavelmente, sem resolução e apenas hipóteses de redução da sua dimensão, dando azo a que se aventuram alguns “especialistas” com propostas inovadoras e fantásticas. Fascina-me porque as propostas que aparecem são sempre feitas por quem não conhece o terreno e a realidade. Fascina-me porque, em regra geral, as propostas que aparecem só aumentarão a dimensão do problema!
Quanto ao artigo de Don Tapscott, fascinou-me, também, a sua incapacidade para averiguar as informações dadas por fontes governamentais. É como um jornalista visitar a URSS em tempo de Guerra Fria e vir de lá espalhar ao mundo que está tudo bem e que é o máximo viver-se naquele paraíso, porque assim lhe disseram as fontes governamentais…
Note to President Obama: Want to Fix the Schools? Look to Portugal!
President Obama already knows that the nation's schools are failing a large number of young Americans. One-third of all students drop out before finishing high school. It's a terrible record, and it's even worse in inner city public schools, where only half of blacks and Hispanics graduate from school. This is not a legacy that would make anyone proud: More young Americans on a proportionate basis drop out of school today than at any other time in our history.
This problem is undoubtedly complicated, but one of the reasons why many American youth are unmotivated and not learning well is that they're bored in school. They're grown up in a fast paced, challenging digital world, with the Internet, mobile devices, video games and other gadgets. They watch less television than their parents did and TV is typically a background activity. They are a generation doesn't like to be broadcast to and they love to interact, multi-task and collaborate. Yet, when they get into the classroom, they're faced with stale textbooks and lectures from teachers who are still using a nineteenth century innovation, chalk and blackboard.
American classrooms need to enter the 21st century. Thousands of teachers agree. Earlier this year, several important educational groups urged the president and Congress to spend nearly $10 billion to improve technology in the classroom, and ensure teachers know how to use computers most effectively.
To show the way, I suggest the president take a look at a modest country across the Atlantic that's turning into the world leader in rethinking education for the 21st century.
That country is Portugal. Its economy in early 2005 was sagging, and it was running out of the usual economic fixes. It also scored some of the lowest educational achievement results in western Europe.
So Prime Minister Jose Socrates took a courageous step. He decided to invest heavily in a "technological shock" to jolt his country into the 21st century. This meant, among other things, that he'd make sure everyone in the workforce could handle a computer and use the Internet effectively.
This could transform Portuguese society by giving people immediate access to world. It would open up huge opportunities that could make Portugal a richer and more competitive place. But it wouldn't happen unless people had a computer in their hands.
In 2005, only 31% of the Portuguese households had access to the Internet. To improve this penetration, the logical place to start was in school, where there was only one computer for five kids. The aim was to have one computer for every two students by 2010.
So Portugal launched the biggest program in the world to equip every child in the country with a laptop and access to the web and the world of collaborative learning. To pay for it, Portugal tapped into both government funds and money from mobile operators who were granted 3G licenses. That subsidized the sale of one million ultra-cheap laptops to teachers, school children, and adult learners.
Here's how it works: If you're a teacher or a student, you can buy a laptop for 150 euros (U.S. $207). You also get a discounted rate for broadband Internet access, wired or wireless. Low income students get an even bigger discount, and connected laptops are free or virtually free for the poorest kids. For the youngest students in Grades 1 to 4, the laptop/Internet access deal is even cheaper -- 50 euros for those who can pay; free for those who can't.
That's only the start: Portugal has invested 400 million euros to makes sure each classroom has access to the Internet. Just about every classroom in the public system now has an interactive smart board, instead of the old fashioned blackboard.
This means that nearly nine out of 10 students in Grades 1 to 4 have a laptop on their desk. The impact on the classroom is tremendous, as I saw this spring when I toured a classroom of seven-year-olds in a public school in Lisbon. It was the most exciting, noisy, collaborative classroom I have seen in the world.
The teacher directed the kids to an astronomy blog with a beautiful color image of a rotating solar system on the screen. "Now," said the teacher, "Who knows what the equinox is?"
Nobody knew.
"Alright, why don't you find out?"
The chattering began, as the children clustered together to figure out what an equinox was. Then one group lept up and waved their hands. They found it! They then proceeded to explain the idea to their classmates.
This, I thought, was the exact opposite of everything that is wrong with the classroom system in the United States.
The children in this Portuguese classroom were loving learning about astronomy. They were collaborating. They were working at their own pace. They barely noticed the technology, the much-vaunted laptop. It was like air to them. But it changed the relationship they had with their teacher. Instead of fidgeting in their chairs while the teacher lectures and scrawls some notes on the blackboard, they were the explorers, the discoverers, and the teacher was their helpful guide.
Yet too often, in the U.S. school system, teachers still rely on an Industrial Model of education. They deliver a lecture, the same one to all students. It's a one-way lecture. The teacher is the expert; the students are expected to absorb what the teacher says and repeat. And students are supposed to learn alone.
Teachers often feel that this is the only way to teach a large classroom of kids, and yet the classroom in Portugal shows that giving kids laptops can free the teacher to introduce a new way of learning that's more natural for kids who have grown up digital at home.
First, it allows teachers to step off the stage and start listening and conversing instead of just lecturing. Second, the teacher can encourage students to discover for themselves, and learn a process of discovery and critical thinking instead of just memorizing the teacher's information. Third, the teacher can encourage students to collaborate among themselves and with others outside the school. Finally, the teacher can tailor the style of education to their students' individual learning styles.
It's not easy to change the model of teaching. In fact, this is the hard part. It's far easier to spend money, as Portugal did, to put Internet into the classroom and equip the kids with laptops. ( By now, half of high school students now have them, as do four in 10 middle school students.)
Yet Portugal has been careful to invest in teacher training to capitalize on the possibilities of the laptops in schools. They're also thinking of creating a new online platform to allow teachers to work together to create new lessons and course materials that take advantage of the interactive technology. Through this collaboration, the Portuguese school system will create exciting new online materials to educate children. Lots of ideas are already making their way into Portuguese classrooms, says Mario Franco, chair of the Foundation for Mobile Communication, which is managing the e-school program. There are 50 different educational programs and games inside the laptops the youngest children use. The laptops are even equipped with a control to encourage kids to finish their homework and score high marks. If they do, they get more time to play.
It's too early to assess the impact on learning in Portuguese schools. Studies of the impact of computers in schools elsewhere have been inconclusive, or mixed. One key problem is that simply providing computers in schools is not enough. Teachers facing a classroom of kids with laptops need to learn that they are no longer the expert in their domain; the Internet is.
Yet Portugal is on a campaign to reinvent learning for the 21st century. The technology is only one part of that campaign. The real work is creating a new model of learning.
I believe this could help the U.S. revive students' interest in school and perhaps keep them in school long enough to graduate, and even go to college. It would be a substantial investment. It's estimated that the total cost of giving a computer to each student, including connection to networks, training, and maintenance, is over $1,000 per year.
Yet after seeing the promise of the exciting classrooms in Portugal, I'm convinced it is worth it. Your child should be so fortunate.
Don Tapscott
Só me apetece bater-lhe com a cabeça na parede… mas não posso…
1. “So Portugal launched the biggest program in the world to equip every child in the country with a laptop and access to the web and the world of collaborative learning.” – Isso é que era bom! Acesso à Internet, sim, mas, collaborative learning? Aposto como Don Tapscott não faz ideia do que é uma criança…
2. “Here's how it works: If you're a teacher or a student, you can buy a laptop for 150 euros (U.S. $207).” – Ah, sim? Ia jurar que nenhum professor comprou um computador portátil por 150 euros. Fica bem dizer que sim, mas não é bem assim. Mas, o que interessa, é que Sócrates conseguiu fazer passar a mensagem de que foram só 150 euros.
3. “Just about every classroom in the public system now has an interactive smart board, instead of the old fashioned blackboard.” – Informações de fontes governamentais, portanto. Na minha escola, nem um terço das salas tem quadros interactivos.
4. “The impact on the classroom is tremendous, as I saw this spring when I toured a classroom of seven-year-olds in a public school in Lisbon. It was the most exciting, noisy, collaborative classroom I have seen in the world.” – Qual impacto? Impacto tremendo é nos intervalos, com os miúdos a jogarem Counter Strike em rede, uns contra os outros. Impacto tremendo é em casa, para os pais os fazerem largar os jogos e irem para a cama. E se o senhor Don quiser ver uma sala de aula excitante, barulhenta e colaborativa, pode vir à minha escola, que a malta monta-lhe lá um circo de tal maneira, com tanta tecnologia de ponta, tanta Internet, tantos computadores, que seremos projectados para as galáxias mais longínquas; mas só uma sala, está bem?
5. “(…) the classroom in Portugal shows that giving kids laptops can free the teacher to introduce a new way of learning that's more natural for kids who have grown up digital at home.” – Dar computadores aos alunos pode não libertar o professor; pode, sim, arranjar-lhe uma dor de cabeça de todo o tamanho, sempre a correr de um lado para o outro para evitar que eles entrem em sites que não devem, que se metam a jogar, etc. Os alunos que cresceram com um mundo digital, cresceram a divertir-se, a jogar, a sacar músicas, a teclar no Messenger, a criar a sua página no hi5… não foi a aprender matérias que não lhes trazem prazer imediato!
6. “Yet Portugal has been careful to invest in teacher training to capitalize on the possibilities of the laptops in schools.” – Formação de professores para trabalhar com computadores? Ah, claro, aquela sessão do pessoal a cantar e a remar à custa do Magalhães. Esta era mais fácil: bastava-lhe entrevistar meia dúzia de professores. Se calhar dava muito trabalho.
7. “The laptops are even equipped with a control to encourage kids to finish their homework and score high marks. If they do, they get more time to play.” – Que anedota! Faz-me lembrar aqueles pais que se babam de orgulho porque os seus petizes ficam a “estudar na Internet” até às cinco da madrugada…
8. “One key problem is that simply providing computers in schools is not enough.” – Pois não. Mas se fizermos propaganda de que a formação necessária foi feita, mesmo que não tenha sido feita, fica o problema resolvido.
9. “The real work is creating a new model of learning.” – Não querendo ser desmancha-prazeres, não há nenhum modelo de aprendizagem em curso. Bom, há uma coisa chamada Novas Oportunidades, mas isso é outra conversa. Ao fim de tantos séculos, alguns intelectuais chegaram à conclusão que o que se andou a fazer durante tanto tempo, e que gerou o mundo que temos, com a tecnologia que temos, está ultrapassado. Em Educação, creio que o maior erro que se pode cometer é achar-se que se errou. Seja na escola ou em casa. Porque, daí para a frente, as “soluções” são quase sempre desastrosas.
Sexta-feira, 24 de Outubro de 2008
Há um pormenor estranho nesta iniciativa fantástica dos “Magalhães” para todas as crianças do 1º ciclo: primeiro aparece a máquina e, só depois, com sorte, a formação!
Vamos imaginar uma empresa com milhares de trabalhadores, espalhados por milhares de sucursais, dispersas por todo o país. De repente, o dono da empresa decide que todas as sucursais vão passar a viver um ambiente moderno e informatizado, invadindo os espaços com computadores, mesas digitalizadoras, impressoras e Internet. O parque informático será operado por software específico para as valências e actividades administrativas daquela empresa, com ligações em rede. Há software para manobrar as máquinas, outro para gerir os stocks, outro para a contabilidade, outro para administração, outro para a partilha de documentação em rede, outro para isto e outro para aquilo. Os trabalhadores passam a recorrer à Internet para mexer na conta bancária da empresa, para receber pedidos de encomendas, para processarem as contribuições ao fisco, etc. Porreiro, pá! O mínimo dos mínimos, para que isto fosse um processo de mudança com pés e cabeça, seria preparar previamente os trabalhadores para a mudança. Dar-lhes formação para lidarem com todos os pacotes de software previstos, operarem com todo o equipamento novo e utilizarem os recursos necessários na Internet. No mínimo! Seria um perfeito disparate, digo eu, espetar com toda aquela panóplia nas sucursais da empresa e esperar que, de repente, os trabalhadores começassem a trabalhar com tudo aquilo como se sempre o tivessem feito ao longo da vida ou como se estivessem a beber mais uma cervejinha. Seria pouco inteligente esperar, por exemplo, que os trabalhadores aprendessem, sozinhos e por si próprios, a trabalhar com todas aquelas novidades. O disparate teria, como consequência óbvia, as sucursais às bolandas, os trabalhadores atarantados com o equipamento e com os programas, os clientes à espera, incrédulos, e a empresa a afogar-se num mar de tecnologia ao qual se atirou sem barco, sem bóia e sem saber nadar.
Esta estória foi uma pequena analogia com o programa “e-escolinha”. Exagero? Claro que é, em especial para quem vive num mundo à parte.
A realidade das escolas do 1º ciclo é muito simples:
· A maioria dos professores lida diariamente com a tecnologia informática.
· Usa-a para o seu trabalho individual, profissional, de preparação das aulas, registos, relatórios, etc.
· Usa-a para que os seus alunos recorram à informática e à Internet de forma proveitosa para o ensino-aprendizagem.
· Uma parte significativa dos alunos olha o computador como um aparelho muito amigável e não como um bicho-de-sete-cabeças.
Ora, esta realidade não é, de todo, compatível com uma nova realidade que a invasão do “Magalhães” trará às escolas. A saber:
· Um computador para cada aluno, implica uma dinâmica na sala de aula que os professores desconhecem.
· Um computador por cada aluno, que é o seu computador pessoal, que vai e vem todos os dias para casa, traz outros detalhes técnicos imprevisíveis, tais como alterações às configurações, jogos, jogos, mais jogos, imagens, ficheiros, vídeos, etc.
· A dinâmica de uma sala de aula, com um computador por aluno, faz-se com alguns recursos novos, seja software ou aplicações online, os quais terão que ser aprendidos e dominados previamente pelos professores.
· Controlar dois computadores numa sala de aula, prevenindo visitas a sites indesejáveis ou jogos não autorizados, implica um controlo muito menor e muito diferente de uma situação em que cada aluno tem o seu computador, com um ecrã minúsculo.
Haja a consciência de que, para se aprender a usar um novo software educativo, numa sala de aula, há dois aspectos principais:
· A aprendizagem de todas as funcionalidades do software.
· A dinâmica para colocar esse software a uso, com os alunos.
Haja a consciência de que, quando se pensa as coisas na base do desenrascanço:
· Uma coisa, é um professor com uma grande facilidade em lidar com a informática, professor de TIC ou de outra disciplina, seja para instalar novos programas, corrigir erros ou explorar novos recursos.
· E outra, é um professor que usa a informática dentro das balizas da sua prática profissional, com pouco à vontade, evoluindo em pequenos passos.
Se isto tudo não é um grande disparate, não sei que lhe chamar...
Quinta-feira, 23 de Outubro de 2008
Esta iniciativa do Ministério da Educação, tão apaparicada e elogiada por vários quadrantes, pensadores e comentadores de bancada, deixa-me com algumas preocupações. Para quem está a favor, seja por que motivo for, estas preocupações não passarão de blasfémias, exageros e disparates de quem está sempre do contra e não quer que o país avance nesse mar da tecnologia e da modernidade e blá-blá-blá... Seja! A mim, é que ninguém as consegue tirar…
Para que não haja dúvidas, estamos a falar de meio milhão de computadores portáteis nas mãos de outras tantas crianças, de norte a sul do país. Convém desmistificar o equipamento, pois, apesar da sua aparência infantil e fofinha, o “Magalhães” é um computador portátil. Traz o Windows XP Pro e tem capacidade para ligar a uma rede wireless (e à internet, por conseguinte). Há um orgulho babado, nos vários parceiros da iniciativa, em referirem que o “Magalhães” será o primeiro computador em muitos lares portugueses. Comercializou-se, na FNAC, creio que ao preço de 285 euros.
Posto isto, as minhas preocupações dividem-se em dois aspectos simples: a segurança e a segurança.
A primeira segurança, diz respeito à propriedade das máquinas.
De um momento para o outro, meio milhão de computadores portáteis começará a circular nas ruas portuguesas, feitos pastinhas de mão, transportadas por outras tantas criancinhas. Não quero ser agoirento, mas roubar um “Magalhães” será tão fácil como roubar um doce a uma criança. É só apanhar uma distraída, e zás!
Não é certo que cada criança transporta consigo um telemóvel, diariamente, e, mesmo traga um consigo, é provável que não seja grande máquina. Não é certo que cada criança virá a transportar diariamente um computador portátil, mas a probabilidade de o fazer é demasiado grande para que os amigos do alheio fiquem de braços cruzados, a vê-los a passar. Para mais, há uma ligeira diferença entre um telemóvel que se dá a uma criança de 7 anos e um computador portátil que no mercado vale mais de 200 euros.
Mas, não é preciso andar à cata de criancinhas indefesas, na ânsia de lhes sacar o valioso “doce”. Se as criancinhas estiverem em grupinhos, torna-se mais fácil, convenhamos, até porque em cada mão do larápio levam-se facilmente três ou quatro de uma vez. Melhor que uma criancinha indefesa ou um grupinho delas, é uma sala de aula com vinte “doces”, mais o “doce” do próprio professor. Em especial, se a sala de aula ficar numa escola algures num ermo. Mas, nem é preciso tanto. Na minha vila, bastam três fulanos para limpar uma escola com duas salas, encaixando o produto de quarenta “Magalhães”: um no carro e outro para cada sala. É só entrar de rompante, deitar a unha às máquinas, distribuir umas chapadas pela pouca resistência e sair correndo. Eu não quero ser agoirento, mas este filme deixa-me preocupado.
O representante da J. P. Sá Couto, quando confrontado com a possibilidade de os “Magalhães” levarem sumiço, seja por venda directa no mercado negro, seja por via do assalto, anunciou que as máquinas deixam de funcionar ao fim de três meses fora da escola. Segundo ele, tem que ver com a ligação à Internet na sala de aula. Uma misteriosa ligação, digo eu, que permite reabilitar os “Magalhães” depois de X tempo fora. Três meses, porque, no máximo, o aluno estará os meses das férias de verão fora da escola. Não é por nada, nem é para ser do contra, mas, numa sala cheia de pessoas intimamente ligadas à informática, o anúncio não pareceu convencer ninguém…
A segunda segurança, diz respeito à utilização das máquinas.
Lá em Cantanhede, os formadores bem que martelaram na tecla do “controlo parental”, essa fantástica manifestação de soberania dos progenitores e tutores das criancinhas. Através de software, os pais conseguem controlar a utilização dos computadores por parte das criancinhas, seja na estipulação das horas em que aquelas podem utilizar o computador, seja nos programas que podem usar, ou, mais fantástico ainda, nos sites da internet que podem visitar.
Como mero exercício académico, pus-me a correr, um a um, os pais dos alunos da minha escola, imaginando-os a exercer essa fantástica manifestação de soberania. Tenho a dizer que não correu muito bem. Tirando os que não estão para se chatear com o assunto, os que não estão para perder tempo a aprender a ligar um computador, os que têm medo de mostrar que não conseguem mesmo mexer no computador, os que sabem ligar o computador mas que ficam apavorados com a ideia de carregarem num ícone, os que até estão ligeiramente familiarizados com computadores mas que não se atrevem a ir mais além que o Word ou o Internet Explorer, e os que acham que as suas crianças são umas santas e que por isso não vale a pena perder tempo com essa coisa do “controlo parental”, sinceramente, sobram-me poucos pais que venham a exercer, de facto, esse controlo. Não quero ser do contra, mas, eu conheço os pais dos alunos da minha escola! A senhora ministra, não conhece, tal como os seus secretários de estado e todos os profissionais envolvidos nesta iniciativa do “Magalhães”. Para mais, são poucas as pessoas que conhecem os efeitos nefastos de uma utilização excessiva (e sem controlo) de computadores por parte de crianças ou jovens.
Partindo para um cenário mais grosseiro, e pondo as coisas de uma forma brejeira, estamos a oferecer, a centenas de milhar de crianças com menos de dez anos, acesso gratuito aos mundos da pornografia e da violência. Seja através da Internet ou directamente com uma “pen”.
Temos pais que não vêem qualquer problema em assistir a um filme pornográfico na companhia dos filhos. Temos irmãos das criancinhas em idade de saírem da casca e descobrirem o mundo maravilhoso do sexo. Temos amigos das criancinhas, tios das criancinhas, primos das criancinhas, vizinhos das criancinhas. Temos pais que são paus mandados dos filhos e que imediatamente acederão a uma “ordem” dos gaiatos para meterem internet em casa. Temos acesso livre à Internet em espaços públicos, via wireless, pomposamente disponibilizado por juntas de freguesia e outras entidades, orgulhosas do salto tecnológico e do sinal de modernidade. Temos plataformas como o “hi5”, onde milhares de jovens portuguesas menores de idade exibem constantemente fotografias pessoais em poses eróticas, frequentemente revelando uma acentuada crise de têxteis lá em casa, com a bênção dos pais e mães que acham que o “hi5” é o “hi5” e que o “hi5” é muito giro e ah e tal e a minha filha percebe tanto de computadores e estamos tão orgulhosos da nossa filha que até é uma santa. Temos pedófilos e molestadores, que, com a maior das facilidades, passam por jovens e crianças quando, através do MSN ou de salas de chat, contactam com verdadeiros jovens e crianças, criando laços, intimidades, relacionamentos, expectativas e pontes para um contacto físico real, com a bênção dos pais que sorriem perante o supostamente inocente vício do MSN, nesse fantástico mundo virtual que é a Internet. Eu não quero ser do contra, mas…
Sobeja-me a alegria de saber que já há pais que não querem comprar o “Magalhães” aos filhos e que se recusam embarcar nesta onda. Para eles, quer-me parecer, a educação dos filhos vem em primeiro lugar. Acima de qualquer histeria colectiva e de qualquer iniciativa menos convincente.
Quarta-feira, 22 de Outubro de 2008
É um facto que os dois dias de formação em Cantanhede não serviram de muito. Regressámos todos às escolas com aquela sensação patética de não termos aprendido nada e, consequentemente, não termos nada para ensinar aos nossos colegas do 1º ciclo. Ainda pensámos que iriam distribuir um “Magalhães” a cada escola, para podermos mostrar aos colegas, para estes se ambientarem à máquina que os seus alunos trarão para a sala de aula, mas nem isso. Falou-se em software variado, mostraram-se alguns exemplos, mas ninguém aprendeu a trabalhar com o que quer que seja.
A Intel esteve em peso. A Microsoft, também marcou presença. A Caixa Mágica e a J. P. Sá Couto, idem. Se não aprendemos praticamente nada, pelo menos tivemos oportunidades de sobra para reflectir sobre esta iniciativa inédita.
Um jovem e dinâmico formador da Intel (inglês falante) mostrou-nos um software bastante interessante para controlo de uma situação de utilização dos computadores em contexto de sala de aula. Permite ao professor controlar, vigiar, bloquear e operar o computador de cada aluno, lançar testes sincronizados, etc. Vimos, mas não aprendemos, porque não experimentámos. Faltou saber onde vamos buscar esse software. Parece que não é gratuito, segundo o formador, mas que as escolas podem consegui-lo gratuitamente através do Ministério da Educação. Ninguém percebeu muito bem como isso consegue, porque também ninguém soube explicar. Entretanto, durante a demonstração das potencialidades do software, o formador começou a rogar pragas (em inglês, claro) à rede wireless que estava instalada na sala, a qual não tinha capacidade para dar vazão à singela operação de visualizar, no computador do “professor”, o ambiente de trabalho de um dos “alunos”. Comentou (em inglês, claro) que, para o software funcionar em condições, a rede não podia ser uma qualquer, tinha que ser especial para o efeito. Não chegou a explicar a especialidade da coisa, mas ficou-nos a pulga atrás da orelha.
Numa formação seguinte, com o representante da J. P. Sá Couto, questionei este sobre essa tal rede wireless especial que tinha de ser montada em casa sala de aula do 1º ciclo para que se pudesse usar o tal software apresentado pela Intel (mas que não é da Intel). Após uns sorrisos misteriosos, o senhor respondeu-nos, em jeito de confissão de informações confidenciais de segredo de estado, que sabia de um protocolo entre o Ministério da Educação e as câmaras municipais para o fornecimento dessas tais redes e respectivos equipamentos. E mais não soube dizer.
Alguém levantou a questão da obrigatoriedade de o professor do 1º ciclo ter, ele próprio, um computador para poder gerir a sala de aula com os “Magalhães” com o tal software. De onde vem esse computador? Não tem que ser um “Magalhães”, claro, até porque, presume-se que o professor não possa comprar um. Terá que trazer o seu particular? Usará um dos computadores que eventualmente já tenha na sala, colocados em tempos pela autarquia? O Ministério da Educação fornecerá um computador por sala de aula para esse efeito? Ninguém sabe…
Uma jovem colega questionou o representante da J. P. Sá Couto sobre a possibilidade de um aluno comprar (ou receber gratuitamente) um segundo computador. O senhor estranhou a pergunta, ao que a colega respondeu com a previsão óbvia de que, ao fim de uma semana, na realidade da sua escola, muitos dos alunos já não teriam a sua máquina, por via da transmissão de propriedade a terceiros, a troco de uns trocados, de uns garrafões de tinto, ou de algo menos legal. Por iniciativa das crianças, dos irmãos das crianças, ou dos próprios pais das crianças. Ninguém sabe.
Questionei o mesmo senhor sobre um eventual estudo que tivesse sido feito sobre o impacto da utilização do “Magalhães” na visão das crianças, tendo em conta o ecrã minúsculo da máquina. São menos de nove polegadas de ecrã, que, com a resolução que apresentavam os exemplares que experimentámos, obrigava a ter olho de lince e excelente focagem. Obviamente não há um estudo sobre o assunto, mas o senhor respondeu que até aos 11 anos não tem problema nenhum. Pois, claro que não tem.
Por iniciativa própria, o senhor lavou as mãos da J. P. Sá Couto sobre a necessidade de andar a fazer propaganda à sua empresa e ao próprio “Magalhães”. Não era preciso, confessou. O fornecimento de 500 000 exemplares está garantido para este ano lectivo, assim como mais 160 000 para o próximo (alunos do 1º ano), e por aí fora. Junte-se o milhão para a Venezuela e sei lá mais o quê que se seguirá e, realmente, com tanto negócio garantido, a última coisa com que a empresa tem que se preocupar é em propagandear o seu produto-maravilha.
Ficou por saber, entre a máquina em si e o software pago que traz instalado, em quanto fica ao Estado (que somos todos nós, no dizer do poeta) cada uma destas unidades de inovação educacional e projecção mundial…
Terça-feira, 21 de Outubro de 2008
Fui um dos 200 professores presentes em Cantanhede, naquela impressionante “formação” de dois dias para Coordenadores TIC. O tema era o “Magalhães”, esse fenómeno que está a colocar Portugal na mira dos países mais avançados no que toca a Educação. Ou não.
Curiosamente, não sou o Coordenador TIC da minha escola. Esse, tem uma mão cheia de aulas, nomeadamente no CEF de informática, e, como tal, não se pode dar ao luxo de desaparecer durante dois dias inteiros. Tal como aconteceu com muitas outras escolas onde a mesma situação se coloca, fui como membro do Conselho Executivo.
À chegada, a felicidade de requisitar um “Magalhães” e meter-lhe os dedos em cima. É um computador portátil, como outro qualquer, com um ecrã minúsculo, um mini-teclado para dedinhos de criança, sem porta VGA nem leitor de CD/DVD.
As formações começaram de forma serena, por grupos, com vários formadores. Ouvimos falar várias vezes em controlo parental, trabalho colaborativo na sala de aula, vimos como funciona um software para gestão da aula e controlo dos computadores dos alunos, conversámos com um representante do fabricante das máquinas, etc.
Não consegui atingir a necessidade de haver uma bateria de formadores estrangeiros, nomeadamente da Intel, a falarem em inglês. A mim, não me fez diferença, mas muitos colegas viram-se à rasca para acompanhar as formações. Mesmo com os tradutores de serviço, bem pagos não se sabe por quem. Esta coisa do “Magalhães” deve ser um projecto bem sofisticado, para não haver, em Portugal, massa cinzenta suficientemente avançada para dar aquelas formações. Digo eu.
A meio da tarde do primeiro dia, duas senhoras professoras que colaboram com um instituto qualquer de inovação educacional, ou coisa que o valha, nos Estados Unidos (inglês falantes, portanto), disseram duas ou três coisinhas sobre a utilização das TIC em contexto de sala de aula, mas nada de extraordinário ou relevante. Uma delas, a que discursava e falava pelos cotovelos e gesticulava e ria e esbracejava e fazia a festa e deitava os foguetes, anunciou a proposta de trabalho de grupo que se seguia. Infelizmente, não poderia ficar muito mais tempo por ali, porque tinha um voo de regresso aos Estados Unidos daí a pouco tempo. Mas ficou a missão: elaborar uma obra artística – leia-se canção – subordinada ao tema do “Magalhães”. Qualquer coisa como a viagem do novo “Magalhães” nos mares da tecnologia.
Fomos divididos em grupos de 8-9 pessoas e toca a trabalhar. Foi uma situação de pouco à vontade, convenhamos. No meu grupo, oito estranhos a olharem uns para os outros, a tentarem perceber em que buraco tinham acabado de cair, transformados em artistas de momento e produtores artísticos, quando estavam ali supostamente para aprenderem algo para ensinar aos professores do 1º ciclo.
Uns optaram por cantar e gravarem um vídeo da cantoria em grupo. Outros preferiram não dar a cara e gravaram um vídeo sem actores de carne e osso. Os “trabalhos” prolongaram-se até mais tarde do que era suposto, num misto de frustração profissional e triste resignação.
Na manhã do segundo dia, ainda alguns grupos davam uns últimos retoques. À chegada, passei por um grupo que actuava para um “Magalhães” estrategicamente posicionado no tejadilho de um carro, webcam em modo gravação. Alguém dedilhava numa viola.
Se já havíamos gasto mais de duas horas no final do primeiro dia, às custas da produtividade artística, a manhã do segundo dia estava reservada para o espectáculo público. Ou seja, uma manhã inteira em que os vinte grupos de professores passaram, na íntegra, pelo palco, exibindo publicamente as suas obras artísticas.
A estratégia de distribuição de uns papelinhos à saída do palco, garantia a passagem de todos por esse momento de glória.
Aqui e além, vozes se levantam contra a figurinha que nós, os presentes, fizemos para as câmaras de vídeo, naquela manhã. A esses, tenho a dizer o que senti durante aquelas horas: como se estivesse recuado umas décadas no tempo, transladado para a antiga URSS, enfiado num evento de propaganda governamental disfarçada e misturado numa uma massa de subjugados que, a bem da preservação da sua condição laboral, não se atrevem a mandar tudo aquilo para as ortigas e regressar nesse preciso momento às suas vidas. Parece um exagero, mas foi o que senti, ali, sentadinho na minha cadeira.
As vozes levantam-se contra a figurinha dos professores a exibirem as suas produções artísticas, mas, lamento que não se fale na farsa escandalosa que foi uma formação para Coordenadores TIC em que cerca de 35% do tempo foi passado a preparar uma canção, a exibi-la em público e a ver os outros exibirem as suas. Não foi um pedacinho da formação! Foi cerca de 35% do tempo de formação!!!
Nada que não me espante demasiado nos dias que correm. No total dos seis dias inteiros em que tive que abandonar a escola (em momentos cruciais como o encerramento de um ano lectivo e o arranque do seguinte) para receber formação sobre Avaliação do Desempenho dos Docentes, não se abordou o tema durante mais do que duas horas líquidas! Mas, para que se registe, foram seis dias inteiros de formação sobre o tema...