Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009
Parece que é a nova moda, na minha escola.
Quase dois terços dos professores querem ser avaliados segundo o actual modelo-faz-de-conta. Os que requereram avaliação por um professor da mesma área, geram uma situação deveras cómica e patética, ao bom estilo do primeiro-ministro Sócrates.
Exemplo. A professora A e a professora B, da mesma área, requerem ser avaliadas. A professora A, mais velha que a professora B, vai passar a avaliadora. Por tal, fica isenta de avaliação, devido à promoção.
Ou seja, a professora A, que pode ser uma nódoa, passa a avaliar uma colega, sem que o sistema verifique, em primeiro lugar, se ela é capaz de dar aulas em condições, se é uma pessoa isenta, se é capaz de avaliar um colega, etc. Nada disso. Passa automaticamente a avaliadora e livra-se de ser avaliada, apesar de ter pedido para ser avaliada com observação de aulas. A menção da sua avaliação, na qual deixou de entrar a observação de aulas, vai reger-se por outra quota diferente da quota da sua colega B.
Isto, na minha humilde opinião, não tem ponta por onde se pegue. É um perfeito disparate, da cabeça aos pés!
Infelizmente, este é um país onde reina a pobreza de espírito, pelo que o povo achou que assim é o máximo, ter gente que impõe disparates destes à frente de um Governo, e toca a votar outra vez no homem.
Só que, este não é um caso único. Na verdade, está a tornar-se moda na minha escola.
Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009
O colega Carlos Santos, do blog “O valor das ideias” que passou por aqui um dia destes, deixou o desafio para eu, como colega e democrata, dizer o que penso sobre o modelo de avaliação proposto pelo Francisco Louça. Começo pelo post dele sobre o assunto:
Cai a máscara do BE como defensor dos professores!
Há minutos, fora do pregão do culto que tanto o caracteriza, perante as câmaras de televisão e depois de acossado com a pergunta, de Louçã lá veio a resposta fatal.
"O BE defende uma avaliação de professores formulada por entidades externas, por institutos".
Finalmente caiu a máscara ao líder do BE. Os professores ficam agora a saber que o dr Louçã não defende a auto-avaliação como os professores e as suas associações de classe pretendem. O dr Louçã defende o essencial do modelo do PSD, uma avaliação externa à escola, feita por entidades contratadas para o efeito. Estou certo que este é o último modelo de avaliação que os professores podem vir a querer. Outsourcing, nunca, é o que sempre tenho ouvido dos professores.
Mas ainda é tempo das organizações sindicais se pronunciarem sobre esta proposta de Louçã. Se o interesse e o esclarecimento dos professores valer, claro está, mais que o interesse partidário das organizações políticas em que alguns militam.
Uma coisa, é uma ideia que se defende. Outra coisa, é a forma como se traduz essa ideia num diploma e como depois se operacionaliza. Sócrates foi pródigo em propagandear uma ideia e depois legislar com base noutra ideia não tão nobre. Pelo menos, na Educação.
A única experiência que tenho sobre avaliação feita por entidades externas foi quando tive, na minha escola, uma equipa de Avaliação Externa do Ministério da Educação. A maior parte dos meus colegas andou semanas a fio com o estômago embrulhado, atormentados com o pesadelo da presença de inspectores na escola, a bisbilhotarem os cantinhos todos e a desenterrarem todos os defeitos possíveis e imaginários. Pela minha parte, andava ansioso por ver como seria, feito ingénuo, crendo que a equipa viria com boas intenções, numa perspectiva pedagógica e sem intenções de “malhar” na malta. Sei que, num grande número de escolas, montou-se um autêntico circo para acolher os inspectores, com dezenas de reuniões preparatórias para forçar uma linguagem comum e minimamente coerente que fizesse um brilharete. Na minha escola, optou-se por fazer a coisa a cru, sem qualquer espécie de preparação. Arriscado, portanto.
A equipa (dois inspectores e um professor universitário) veio, afinal, mesmo com uma atitude pedagógica. Tinham o seu “caderno de encargos” bem definido, fizeram as perguntas todas que tinham para fazer, ouviram quem quiseram, e até fizemos o favor de lhes atirar daqueles alunos de levar as mãos à cabeça. Foram impecáveis, alertaram-nos para uma série de pormenores, apontaram faróis em determinadas direcções (conforme as orientações que tinham) e deram-nos conselhos interessantíssimos. Pela parte que me toca, adorei a experiência.
Esta foi uma avaliação externa, sim, mas tutelada pela Inspecção Geral da Educação. A ideia, a bem dizer, era avaliar o serviço que a escola presta à sociedade. Não vi que houvesse qualquer outro motivo obscuro a assistir àquela intervenção da IGE. A partir do relatório final, fizemos um plano de melhoria que nos levasse, numa nova avaliação externa, a ter melhores resultados.
À partida, não vejo que haja algum problema em as escolas serem avaliadas por uma entidade externa. Partindo do princípio, portanto, que essa entidade tenha regras claras e transparentes, e não seja orientada por motivações obscuras. Sócrates era menino para, numa coisa destas, lançar mais uma patetice, do tipo exigir que só haja X por cento de escolas com Muito Bom na avaliação, ou que o resultado dessa avaliação possa influenciar os gastos com as remunerações dos docentes. A ideia não é dele, mas como a patetice está na moda… nunca se sabe…
Mas, isto foi uma avaliação da escola, enquanto entidade, e não dos professores individualmente. Aqui, tenho muitas reservas, e tanto faz ser uma entidade interna como externa. É que, avaliar professores, é uma tarefa extremamente complexa e subjectiva.
O que é um bom professor? O que é um professor muito bom? O que é uma boa aula? A entidade que avalia pode ter um padrão de aula que acha que é o ideal, mas não há um modelo de aula ideal. Cada turma é diferente, os alunos são diferentes, e os professores procuram adaptar-se a essa diversidade. Como é que uma entidade externa vai avaliar os professores, indivíduo a indivíduo? Através de pilhas de papel “relevadoras”? Que formação tiveram as pessoas que vão às escolas avaliar? Vão aceitar como credíveis e relevadoras duas ou três aulas a que assistem? Terão sensibilidade para saber a diferença entre uma aula com uma turma do currículo regular e outra com uma turma de currículo alternativo ou CEF? Tentarão “atacar” cegamente pelas estatísticas?
De uma forma resumida, eu diria que vejo com bons olhos uma avaliação externa à escola, mas tenho muitas reservas sobre a presença de alguém na minha sala de aula, a avaliar-me, porque esse alguém pode não fazer a mínima ideia do que é dar aulas a uma turma em determinado grau de ensino, ou, mesmo sabendo, pode ter a mania convicta que a sua forma de dar aulas é a melhor, a única e a ideal.
Infelizmente, falar vagamente em avaliação externa é pedir uma carta branca para se inventar algo que pode ir desde um modelo bem concebido e coerente, até um profundo disparate.
Quarta-feira, 30 de Setembro de 2009
Um dos motivos pelos quais eu acho que os professores devem ser avaliados, é muito fácil de explicar e, quem sabe?, de perceber:
Como em todas as profissões da nossa sociedade, há maus profissionais, profissionais médios, bons profissionais. Eventualmente, alguns excepcionalmente bons. Também como na esmagadora maioria das profissões, e deixando uma ressalva para algumas realidades que desconheço, a maior parte dos profissionais são médios. Contrariando algumas ideologias a roçar a parolice, é perfeitamente normal que a maior parte dos profissionais tenham um desempenho médio, porque a maior parte dos cidadãos tem capacidades médias.
Quando vou a um médico, não exijo que ele seja um bom médico e muito menos que seja excepcional. O que exijo é, simplesmente, que ele não seja um mau profissional. Se quiser um pedreiro para fazer uma casa, o meu maior receio é que me saia um mau profissional.
Nesta linha de ideias – obviamente discutível -, temos que ter um modelo de avaliação que contribua para eliminar os maus profissionais: ou porque não querem mudar de atitude, ou porque não são capazes mesmo de mudar. Dizer que é um modelo punitivo, não fica muito bem, mas, na prática, é assim que deve ser. A punição, claro, é o simples afastamento da pessoa em causa.
Desejar que o modelo de avaliação sirva para melhorar o desempenho dos professores médios, é um pouco utópico, em especial num país como Portugal, onde uma quantidade impressionante de alunos se acha no direito de não querer aprender e usa e abusa desse direito, com a conivência dos pais e do Estado, acrescendo a esse o direito de também influenciar negativamente as aprendizagens dos que querem usufruir do direito de aprender, com a conivência dos mesmos do costume.
Em primeiro e fundamental lugar, a avaliação deveria servir para identificar os maus profissionais, colocando-os entre a espada e a parede. Nós, professores, temo-nos cruzado com maus profissionais ao longo da nossa vida, nesta ou naquela escola. São uma minoria realmente minorca, mas, como diria alguém, “eles andem aí”.
Até à era Sócrates, não havia um mecanismo para, objectivamente, identificar e afastar os maus profissionais. Quase que parece mal pôr as coisas assim, mas eu até fiz parte de uma daquelas comissões para avaliar os relatórios de auto-avaliação para efeitos de progressão de escalão, e, realmente, os maus profissionais continuavam a ser maus profissionais, sem que qualquer beliscadela lhes atormentasse os maus hábitos.
Depois, veio Sócrates, o salvador da Pátria, o grande líder, blá blá blá. E criou um modelo-faz-de-conta para avaliar os professores que consegue alimentar situações ainda mais aberrantes do que deixar os maus profissionais progredirem da mesma forma que os bons profissionais. Conseguiu que alguns maus profissionais ficassem livres de uma avaliação ao seu desempenho como professores e que, ainda por cima, fossem promovidos a avaliadores dos outros.
E assim surgem situações quase a raspar no inacreditável, como a que a seguir descrevo, tal qual me relataram de fonte directa e segura, na qual apenas não são verídicos os nomes dos professores e os nomes das disciplinas de línguas:
No início deste ano lectivo, a turma X do 9º ano mudou de professor de Inglês. No ano passado teve o professor João (do antigo grupo de recrutamento de Português/Inglês), mas este ano, por força da rentabilização de recursos na distribuição de serviço, passou a ter o professor Manuel (também do antigo grupo de recrutamento de Português/Inglês).
Ora, numa das primeiras aulas, assim como que de revisão de conhecimentos anteriores, os alunos confessaram que o professor João passou o ano inteiro a passar-lhes filmes em Francês durante as aulas, pelo que o Inglês ficou para outras núpcias. Parece que, na biblioteca da escola, havia muitos mais filmes em Francês do que em Inglês, pelo que era mais simples e rápido arranjar um filme em Francês do que andar em busca de um em Inglês.
Quanto à questão das notas, e ainda segundo os alunos, boas notas para todos, bico calado e assunto resolvido. Satisfação total, sucesso global.
Da parte dos pais, a quem interessa mais a “qualificação” do que o “conhecimento”, nunca houve uma queixa. No entanto, do professor João parece que sempre houve grandes dúvidas sobre as suas capacidades para leccionar, mas o sistema sempre o deixou andar para a frente.
A parte que me revolta as entranhas, nesta situação, é que o professor João é mais velho do que o professor Manuel, e, por conseguinte, subiu a Professor Titular por via administrativa, sem que nunca alguém tenha avaliado se ele era capaz de dar aulas com um mínimo de qualidade. Ou dar aulas, sequer. Mas irá, eventualmente, avaliar a capacidade do professor Manuel para dar aulas.
A 27 de Setembro de 2009, o povo mostrou que quer que Sócrates continue a inventar disparates que permitam situações aberrantes como esta. Afinal, foi ele que, finalmente, após trinta anos, veio “meter os professores na ordem”. Que país de pobres de espírito é este nosso Portugal...