Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008

Só restarão vencidos

“Seja qual for o desfecho final desta interminável batalha entre os professores e a ministra da Educação (e se algum dia houver desfecho...), parece que só restarão vencidos. Para começar, a ministra, derrotada politicamente e desacreditada perante os seus próprios pares; os professores, cuja guerra, apesar de tanta cobertura e apoio mediático, não convenceu ainda a maioria da opinião pública e, sobretudo, os pagadores de impostos para o ensino: até podem vir a ganhar circunstancialmente a batalha contra a ministra, mas o que passará para fora é que se bateram pela manutenção tal qual de uma situação que, em muitos aspectos, é insustentável; e perderão também os pais e alunos, com a sensação de que, por razões certas ou erradas, a primeira verdadeira reforma que se tentou no ensino não universitário falhou e tão cedo ninguém se atreverá a tentar outra. Fica tudo ou quase tudo como dantes - o que quer dizer que fica pior para o futuro.
 
Na verdade, se algum vencedor desta guerra há, até à data e no futuro previsível, é a Fenprof e, por extensão, o PCP, que dela fez o seu batalhão de elite no combate ao Governo - este ou qualquer outro, conforme é de sua tradição. Basta ter reparado no entusiasmo com que o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, viu chegar Setembro e o fim desse período morto das férias de Verão, o fervor com que prometia um ano escolar agitado de princípio a fim (e antes mesmo de saber o que faria a ministra), para adivinhar qual é o seu objectivo final: ganhar na rua o que se perdeu nas urnas, impor nas escolas o voto de vencido do parlamento. Dizem muitos professores, e eu acredito, que não são os sindicatos que extremaram a luta e conseguiram pôr os professores nas ruas, mas sim a própria ministra, a sua intransigência e incapacidade de ler o descontentamento da classe. Talvez seja mesmo assim, já que a própria ministra parece ter sido levada ao engano, quando achou que, tendo negociado a avaliação com a Fenprof, o acordo atingido lhe garantiria agora um ano de tréguas - para depois perceber que, afinal, nem uma grande parte dos professores se reconheciam no acordo feito, nem a Fenprof, tendo-o percebido, estava disposta a honrá-lo.
 
Facto é que, liderando a batalha ou cavalgando a onda, Mário Nogueira tem conseguido manter-se sempre no topo da agenda política, como nenhum outro dirigente sindical do PCP consegue desde há muito. O seu estatuto é tal que já ninguém, por exemplo, ousa contestar ou ao menos verificar os dados que ele fornece para a opinião pública. Se a Fenprof anuncia que estão 120.000 manifestantes em Lisboa, nem a polícia, o governo civil, o Governo ou a imprensa se dão já ao trabalho de duvidarem: ficam 120.000 de números oficiais e esse passa a ser um facto. E se, logo a seguir, a Fenprof e Mário Nogueira vêm dizer que a ministra, em mais uma demonstração de autoritarismo e terrorismo político, proibiu os professores de se reunirem nas escolas, toda a imprensa publica essa informação como facto adquirido e o 'Público' sente-se obrigado a tomar posição editorial, escrevendo que isso "é feio, nada democrático e revelador de um espírito pouco honesto na forma como se pretende fazer vingar o modelo de avaliação". (Detalhe: a notícia era falsa - simplesmente e completamente falsa. Mas nem o 'Público' se sentiu motivado em pedir desculpas à ministra por a ter chamado desonesta, nem Mário Nogueira se sentiu atrapalhado por ter andado a divulgar uma mentira - pelo contrário, até conseguiu ver nisso uma confirmação de que "os professores vivem em clima de medo, gerado pelas sucessivas ameaças da ministra").
 
Sozinha contra toda a oposição, desamparada dentro do próprio partido - onde se começa a temer os reflexos eleitorais da sua 'teimosia' - a pobre Maria de Lurdes Rodrigues vê saltar punhais de todas as esquinas e só lhe resta o apoio do primeiro-ministro para não meter baixa psiquiátrica ou fugir para muito longe daqui. O que há-de pensar um governante que vê toda a oposição criticar o seu "autismo" e "autoritarismo" na defesa de uma reforma feita "contra os professores", mas sem que ninguém tenha a coragem de dizer que é contra a avaliação ou que, chumba esta mas propõe outra? Veja-se o caso de Manuela Ferreira Leite, que é exemplar: em Março, depois da primeira manifestação nacional dos professores, ela, na sua posição de comentadora política e "outsider" do PSD liderado por Menezes, dizia que a ministra não podia recuar de forma alguma; sete meses volvidos, já na sua qualidade de candidata a primeiro-ministro e na véspera de nova manifestação de professores, vem dizer que a ministra tem de desistir, porque há muita "crispação" entre os professores.
 
Este é, aliás, o ponto central da polémica. Dou de barato que o processo de avaliação seja insuportavelmente burocrático, que afaste os professores do que interessa para os fazer gastar energias no supérfluo. Mas a avaliação, em si mesma, é tudo menos uma coisa supérflua e sem importância. Cá fora, na 'vida civil', a avaliação é regra número 1 do contrato de trabalho: progride-se na profissão, é-se aumentado ou não, conforme os superiores hierárquicos ou o patrão avaliam o trabalho dos empregados. Sempre foi assim, nunca ninguém estranhou e ninguém quer de outra maneira. Mas no Estado as regras são diferentes: progride-se simplesmente pela passagem dos anos, seja qual for o desempenho - por isso é que se diz que ali a antiguidade é um posto. Tanto faz que um trabalhador falte muito ou falte pouco, que produza resultados ou não, que seja criativo e empenhado ou não: basta ficar sentado, deixar passar o tempo e há-de subir sempre. Muitas vezes penso que a nossa administração pública funciona em autofagia administrativa: existe, não para prestar um serviço público, mas para servir quem a serve. A ausência de avaliação profissional, no ensino como em tudo o resto, não é apenas um prémio aos medíocres, é também um castigo e um factor de desmoralização para os bons.
 
Por isso, em voz alta, ninguém se atreve a dizer que a avaliação proposta para os professores é uma coisa injusta e sem sentido. Dizem que esta não serve, mas não propõem nenhuma outra - é típico do sindicalismo que temos. Alguém já ouviu a Fenprof propor outra avaliação ou outro qualquer método de premiar os melhores professores e castigar os professores dos falsos atestados médicos? Eu ouvi a alguns professores que até não alinham com a Fenprof que não se sentiam capazes de avaliar colegas. Antes também recusaram, e julgo que com razão, a proposta da ministra para que os pais participassem também na avaliação. Então, quem a deve fazer? Manuela Ferreira Leite propôs subitamente uma "avaliação externa". Mas quem a fará, com competência para tal? E será que os professores, que, pelos vistos, não querem uma avaliação interna, aceitariam uma externa? Imagine-se...
 
Assim, como as coisas estão, não há saída. Acontecerá uma de duas coisas: ou a ministra começa a ceder no essencial, mantendo o acessório (como já parece estar a acontecer com o deferimento para mais tarde dos efeitos da avaliação), ou acaba por desistir e tudo volta à estaca zero. Esse é o objectivo final das corporações que governam de facto entre nós e do sindicalismo conservador que, em associação com elas, visa tornar o país ingovernável. Todos sabemos que é assim: na educação, como na saúde, na justiça, na administração pública, no poder local, no sector empresarial ligado ao Estado. Por isso é que, independentemente do seu feitio, do seu método ou das suas razões até, a derrota final de Maria de Lurdes Rodrigues representará o último sopro de vida de um país eternamente adiado. Depois disso, é inútil tentar reformar o que quer que seja porque está dada a receita para o insucesso. Quem vier a seguir para governar o Estado escusa até de ter programa político: pode limitar-se a dizer que não vai deixar de pagar salários, pensões e subsídios, e toda a gente ficará tranquila.”
 
Miguel Sousa Tavares, in www.expresso.pt (17/11/2008)
 
Comentários:
 
1. A opinião pública não precisa de ficar convencida pela guerra. Precisa, antes de mais, de ser convenientemente esclarecida sobre factos! Para que, depois, possa opinar com algum conhecimento de causa.
 
2. Não estou a ver o filme de os professores perderem os pais e alunos. Isso é um disfarçado desejo de alguns, mas não parece concretizável. Olho para a minha escola, para os nossos professores, para os nossos alunos e para os respectivos pais, e não vejo como isso poderia alguma vez acontecer.
 
3. O problema deste modelo de avaliação, é, mais do que um problema de tempo e energias, um problema de base conceptual. E é injusta e sem sentido. Estabelecer quotas para a progressão numa carreira, é uma coisa, que pode ser discutível, mas faz sentido e é admissível. Agora, quotas na avaliação, isso é que é algo completamente injusto e sem sentido!
 
4. Eu, como professor e como membro do conselho executivo de uma escola que já passou por uma avaliação externa, prefiro esta, sem hesitações, ao modelo deste ministério. Pelo menos, a equipa da avaliação externa foi escolhida com base nas suas competências, e não por critérios administrativos.
 
5. O discurso patético de que esta ministra da educação representa a última hipótese de se fazerem reformas profundas e se tirar o país do fundo do poço, é tremendamente idiota, com o devido respeito pelo autor. Fazer uma reforma, assim só porque se teima em a fazer em determinados moldes, não quer dizer que se vá caminhar de burro para cavalo! Podem correr as coisas ao contrário! E o país sair a perder. Como se fosse um último sopro para apagar a velinha cuja luz ténue ainda brilha discretamente.
publicado por pedro-na-escola às 22:52
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